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Atlas: Minas Gerais, Brasil

Histórias de cidades do interior de Minas Gerais

Nunca contei aqui no blog o que eu fazia antes de virar blogueira de viagem. Eu já trabalhava viajando, mas de uma maneira bem diferente. Fazia viagens a trabalho toda semana, mas minhas experiências não eram exatamente aquele tradicional turismo de negócios. Por cerca de seis meses, em dois empregos diferentes, eu ia de ônibus e trem para cidades no interior de Minas Gerais, onde atuava em projetos sociais.

Como em qualquer viagem, tenho boas histórias da estrada, mas nunca tinha nem pensado em contar esses casos aqui até um bate-papo divertido com meu tio, que é engenheiro e também vive viajando pelo interior do país. Às vezes, falamos tanto dos perrengues na Índia ou do trem que quase perdemos na Europa, que esquecemos dessas histórias de quem se aventura Brasil adentro.

Quem nunca foi para uma cidade do interior, com poucos habitantes e praticamente nenhuma estrutura turística? Essa era minha jornada toda vez que eu ia para Matutina, uma cidadezinha agradável e bonitinha, com cerca de 4 mil habitantes e cercada por fazendas. Matutina fica a uns 300 km de Belo Horizonte. Para chegar lá, era preciso pegar o ônibus que ia para Patos de Minas. Só tinha um ônibus por dia, que saía às 6h. O ônibus seguia até São Gotardo, onde tínhamos que descer e pegar outro até o destino final.

Praça cidade do interior

Essa praça é em Mostarda, RS – mas é bem parecida com a maioria das cidades do interior que eu conheço. Crédito: Scheridon/Wikimedia Commons

Não sei se vocês conhecem muitas cidades do interior, mas elas seguem aquele padrão: tem uma praça principal com a Igreja Matriz. Tem um hotel, com diárias baratinhas e café da manhã bem completo. Tudo fecha muito cedo, se a cidade é muito pequena. Então, depois das 19h, se você não foi comer no único bar-restaurante da cidade, já era. Caixa eletrônico, supermercado, nem pensar! E em Minas os municípios foram divididos entre as operadoras de telefone: ou seja, só pega sinal de celular de uma empresa.

Uma vez, tivemos um evento em Belo Horizonte com a presença do Prefeito de Matutina, um sujeito muito simples e gente boa. Como eu tinha que ir para a cidade no dia seguinte, resolvi aproveitar a carona do prefeito naquela tarde. Seguimos eu e minha mochila para Matutina e chegamos lá por volta de 18h30, quando começava a escurecer. O prefeito me deixou na porta do único hotel da cidade. Depois de tanto ir para lá, eu já era conhecida. É claro que eu cheguei morrendo de fome e tinha me esquecido de tirar dinheiro.

A moça da recepção, ao me ver, levou um susto. Ela perguntou: – “Nossa, mas como você chegou aqui a essa hora?” Eu expliquei da carona e pedi um quarto. Ela fez uma cara de pena e disse que estavam lotados. “Como assim?” – perguntei. Estava tudo reservado por algum motivo que eu jamais vou compreender. Eu comecei a entrar em desespero, porque não tinha outra opção de hospedagem na cidade, além do banco da praça. Na verdade, também tinha uma pensão onde ficavam os caminhoneiros e, obviamente, não era recomendável.

O dono do hotel e a mulher dele desceram para tentar ajudar no meu desespero. Era aquele momento em que não tinha muito o que fazer, além de tentar me consolar. Do nada, apareceu alguém que eu não conhecia, no meio do debate, com uma sugestão: “Ah, vamos cancelar a reserva do fulano e dar para ela.” O outro responde: “É mesmo, fulano pode dividir o quarto, se quiser”. Nesse momento de lei da selva, apenas concordei e apoiei o despejo do fulano em meu favor.

Com a hospedagem resolvida, a fome voltou com toda força. Já eram quase 19h. Eu timidamente, depois de todo o fuzuê do quarto, perguntei se algum lugar na cidade ainda estaria aberto e por um acaso aceitaria cartão. Pessoas comuns ririam da minha cara: “essa doida que chega sem avisar, sem dinheiro e tarde da noite”. Mas eles só me olharam com cara de dó e falaram que a padaria da esquina estaria aberta, se eu corresse. Lá, eles também não riram de mim quando perguntei, já desesperada de fome, se aceitavam cartão. Mas me deram uma ideia mirabolante para conseguir dinheiro.

“Você pode ir até o posto de gasolina e pedir para eles passarem seu cartão e te dar o dinheiro”.

Wait what

Fiz uma cara de incredulidade com o plano, mas a situação já estava limite o suficiente para eu não tentar apostar na única chance que eu tinha. Então lá fui eu, andando no escuro, até o posto de gasolina que ficava perto da rodovia. Um segurança armado com uma espingarda rondava o local e a moça do caixa ficava fechada atrás de uma grade enorme. Nesse ambiente hostil, fui sugerir o plano do cara da padaria.

Para meu alívio – e surpresa – ela topou na hora. “Olha, mas você vai ter que pagar a taxa”, disse ela. Ok, eu disse, àquela hora eu também toparia qualquer coisa. Ela também me fez prometer que eu não contaria para ninguém da cidade. Eu prometi, enquanto internamente me perguntava se mais alguém na cidade conhecia o principal truque para conseguir dinheiro naquele lugar.

Com dinheiro em mãos fiz minha incrível refeição de pão com manteiga, bolo de cenoura velho e café ralo com leite. No dia seguinte, quando cheguei para trabalhar, todo mundo já estava sabendo das minhas aventuras na noite anterior. Uma das moças da cidade reclamou que eu deveria ter ido dormir na casa dela, outra disse que eu podia almoçar ou jantar na casa dela sempre que quisesse. Porque cidade do interior é assim, todo mundo sabe da vida de todo mundo, mas todo mundo também está disposto a abrir a casa para te receber.

Crédito Imagem Destacada: Tedd Santana

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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6 comentários sobre o texto “Histórias de cidades do interior de Minas Gerais

  1. Adorei!!! Hahaha Sou de Matutina-MG e confesso que é exatamente assim. Amo minha cidade, o interior e histórias como essa me fazem gostar mais ainda! ?

  2. Hahaha!!! Rindo de doer a barriga aqui com o plano pra sacar dinheiro no post! E com todo o resto do post!
    Já passei exatamente pela mesma situação que tu, Luiza!!! Depois acostuma, né!
    Eu tenho paixão por cidadezinhas do interior, meu marido e eu chegamos a desviar rotas só pra conhecer as cidades escondidas estrada a dentro!!!! A igreja é o ponto central, a partir dela a gente acha um café ( ralo com bolo velhinho, quase sempre) e andando um pouquinho, sempre encontramos os moradores em roda de conversa na praça, que primeiro te olham de canto e um minuto depois já te chamam de “minha filhinha”!!!

    Bom demais, bem como tu falaste no início, as vezes a gente esquece como é divertido viajar pelo interior do Brasil (mesmo sem wifi e com “toque de recolher”) !!!

    Por aqui, Passo do Sobrado, General Câmara e Candelária são as que mais visito!

    Um beijào

    1. Ei Nine,

      Acho que não importa o estado que você estiver, as cidades do interior são sempre mais ou menos iguais nesse clima, hehe
      Anotadas as dicas para quando eu for ao Rio Grande do Sul… aliás, estou precisando muito dar um pulo no seu estado, faz tempo que não vou!

      bjs

  3. Eu sou geólogo e já rodei bastante pelos interiores de MG. Já fui recebido com espingarda na entrada de fazenda em Rio Acima. E já fui recebido com Leitão à pururuca em um lugarejo de Timóteo!

    1. Oi Vinícius, essa história da espingarda deve ser ótima!!

      Agora leitão a pururuca me lembra o tanto que a comida de Minas é boa, nossinhora!

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