Manifesto por um mundo com mais banheiros abertos e livres

Faltando uma estação para o metrô chegar na minha casa, veio aquele aperto na barriga que causa um dos mais embaraçosos terrores que um ser humano pode sentir, acompanhado de suor frio e arrepios. Sim, estou falando daquela vontade extrema e urgente de fazer o número dois. “Só mais uma estação, só mais uma estação”, eu cantava em mantra na minha cabeça.

Fiz os cálculos. A rota mais rápida até casa: de elevador até a superfície, depois uma caminhada de dois quarteirões, abrir o portão do prédio, subir três lances de escada, abrir a porta do apartamento e finalmente chegar ao banheiro. Não ia dar tempo. Eu não me lembrava se na minha estação de destino havia um banheiro, mas torcia para que sim. Por isso, optei pela rota mais lenta, que era subir de escada rolante e procurar. Após o último lance de escadas, avistei uma placa com os típicos bonequinhos. Corri animada, mas o cartaz seguinte era mais desanimador:

“Para a sua segurança, peça ao guarda da estação a chave do banheiro”

WTF? “Para a minha segurança, na realidade, o banheiro estaria aberto”, pensei. Melhor continuar a corrida e tentar um banheiro no caminho. Logo na saída da estação, aquele café que está sempre cheio. Corri para dentro, eu e minha mala (estava chegando de viagem), sem olhar para os lados, sem dar a chance de algum atendente me perguntar o que eu ia consumir, me aproveitando da mãe com carrinho de bebê que entrou logo atrás de mim.

Ufa, um banheiro limpo, com papel e sem fila. A glória de qualquer desesperado! Fiz a obra, apaguei todas os traços de sua existência, considerei se era melhor agora consumir algo no café ou sair tão sorrateiramente quanto eu entrei. Acabei optando pela segunda opção.

A Índia mudou a minha vida. Não mudou só minha visão de mundo: influenciou a criação deste blog e tudo mais. Foi na Índia e seu problema com banheiros (ou ausência deles) que eu descobri o que era ter diarreia quase semanalmente. Fui parar no hospital. Voltava do toilet da empresa e narrava para um horrorizado Rafa o aspecto completamente estranho do meu cocô. Dois anos depois, fiz uma cirurgia de retirada da vesícula. Com isso, o consumo de comida gordurosa tornou-se motivo para ter que correr para o banheiro pouquíssimo tempo depois das refeições. Foram precisos mais dois anos e muitas consultas em diferentes médicos para identificar uma síndrome do intestino irritável.

Mesmo com tratamentos e controle alimentar, eu e os banheiros sempre temos história. Muitas delas engraçadas – depois que acontecem, claro. Principalmente quando viajo e não sei ao certo como vai ser a relação do país com os banheiros públicos.

Lembro da vez que, no Paraguai, precisei usar um banheiro e uma moça na entrada controlava a quantidade de papel higiênico. Ela me deu dois quadradinhos, como se isso fosse o suficiente para qualquer coisa. Tive que implorar por mais e receber um muxoxo de impaciência como resposta, junto com uns quatro quadrados extras.

Incontáveis vezes precisei fazer o número dois num lugar público e me tornei mestre na arte de ser silenciosa e rápida para não despertar muitas suspeitas ou passar pelo constrangimento que é alguém na fila bater na porta porque você está demorando. Aliás, demoro muito menos do que a maioria das mulheres no banheiro de balada. Na Bulgária, cheguei à humilhação extrema que é não encontrar o banheiro a tempo. O pior é que eu estava a dois quarteirões do meu hotel cin-co es-tre-las.

Leia também: Como alagar seu banheiro no exterior

Com histórias como essas aí no meu currículo, eu aprendi a sempre carregar papel higiênico ou lenços de papel comigo (o que era extremamente útil no Sudeste Asiático), a enrolar alguns minutos extras num restaurante para garantir que não vai vir aquela vontade súbita e, ainda, sempre ir no banheiro quando há um disponível, com fila ou não, mesmo que eu não tenha certeza se realmente quero.

Essas ideias valem para o mais comum aperto do xixi também. Eu também sempre carrego umas moedas, para o caso do banheiro ser pago. Tenho uma teoria sem qualquer base ou fundamento além da minha própria experiência empírica que, quanto mais nos desenvolvemos como sociedade, menos disponibilizamos banheiros de graça por aí.

Esse negócio de pagar pelo banheiro já virou moda: €1 euro para fazer xixi no “Sexiest WC in the World” em Lisboa” (juro que o nome é esse); R$0,50 para entrar num banheiro de shopping no centro de BH; sei lá quantos para usar o banheiro na praia, na rua, na chuva, em qualquer lugar do mundo.

Não chegamos ainda, felizmente, ao problema da Bélgica. Lembro bem da surpresa feliz da minha housemate belga ao perceber que aqui em Portugal as boates e restaurantes não cobravam pelo banheiro. “Eu muitas vezes nem bebo cerveja quando saio à noite, porque se não tenho que gastar demais para ir ao toalete”, contou ela. Eu fiquei chocada com a informação, ainda mais porque, segundo ela, a entrada numa boate por lá custa uns bons 15 euros.

Eu cresci ouvindo minha mãe dizer que não se nega água pra ninguém. Hoje eu acrescentaria que também não se nega (ou se cobra a entrada) uma ida ao banheiro a um desesperado.

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Compartilho com vocês também duas matérias muito engraçadas da Vice, que me fizeram pensar em escrever este post: sobre a pessoa que fez um voo ser cancelado por conta da obra no banheiro do avião e relatos divertidíssimos de pessoas que não conseguiram achar um banheiro a tempo.

Vocês têm histórias engraçadas de desespero “banherístico” no mundo? Contem aí nos comentários – podem ficar anônimos se não quiserem se juntar a mim no oversharing.

*Crédito imagens: Shutterstock 

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Concordo com você. Senti muita falta de banheiro na Europa. Nas estações de metrô pelas quais passei, não vi nenhum. Nem mesmo pago. Ali senti falta do meu Brasil...

  • Muito boa a publicação kkkkk. Concordo plenamente. Já passei uns perrengues também por conta da maldita dor de barriga.
    As vezes evito tomar muito líquido quando estou viajando por medo de não encontrar banheiro. Percebo que isso é um problema na Europa (quase todos cobram para usar ou tem que consumir algo, o que não discordo).
    Já nos Estados Unidos encontro bastante banheiros, graças a Deus kkkk.

    • Aqui na Europa realmente eles tem um problema maior. O truque é ir no banheiro mesmo sem precisar para garantir não passar aperto depois.

  • Olá pessoal adorei a materia infelizmente não tem como enfiar fotos aqui no Piauí em teresina tem um banheiro público com um bicicletario enorme quantidade exemplar a ser tomada pelas grandes cidades e paises. Abraços
    Rafael de Paula

  • Parabéns a coragem, sendo tão jovem.
    Oh aliás não estamos tão distante, mas o fator 3 tem
    Um peso um tanto quanto estranho, enfim...
    Li sua matéria sobre banheiros, através das minhas
    Idas a um, ops... Minhas manhãs no Flipboard.
    Não pude deixar de comentar e concordar, e um fator
    Bastante interessante e esta falta de suporte a uma
    Necessidade tão importante.
    Moro em São Paulo, e sendo um morador crítico que sou
    Ao visitar outras cidades, estados ou país*, não
    Vejo uma ausência tão absurda neste setor.
    Já apanhei muito pra usar o banheiro fedido do
    Term PQ Dom Pedro, e ou pegar fila pra lavar a mão
    Enquanto um mendingo tomava banho na pia da Estação Sé,
    Ou até mesmo pegar fila pra pegar um pedaço de papel
    Na Barra Funda...
    Enfim... Ri muito com sua publicação e concordei.
    Agora deixe me ir, terminei. Hehehe....
    Deixo o meu Bom dia.

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Luiza Antunes

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