A Praça da Paz Celestial, em Pequim, e o coração político da China

“Glória eterna aos heróis do povo”. É isso que diz uma inscrição num obelisco de 38 metros que marca o centro da Praça da Paz Celestial, em Pequim. Inaugurado em 1958, durante o governo de Mao Tsé-Tung, o monumento é uma homenagem a mártires de oito episódios revolucionários que balançaram a China, entre 1839 e 1950. Ironicamente, foi ao redor deste obelisco que 100 mil estudantes e operários acamparam e iniciaram uma greve de fome, exigindo reformas no governo chinês, em 1989, mesma época em que o Muro caía em Berlim e Gorbachev colocava um ponto final na União Soviética.

Mesmo com os protestos mantendo um tom majoritariamente socialista, após quase um mês de negociações o governo, então comandado por Deo Xiaoping, optou pela força. O exército chinês tomou a praça, prendeu milhares de pessoas e deixou um grande número de mortos. Na época, a Cruz Vermelha chinesa estimou que pelo menos 2600 manifestantes perderam a vida. O Partido Comunista Chinês, que comanda a China desde 1949, nunca confirmou um número, mas sempre negou que tenham sido tantas mortes assim – e afirma que a ação foi de legítima defesa, já que alguns manifestantes criaram barricadas e enfrentaram as tropas, com apoio de parte da população de Pequim.

Meses após o Massacre da Paz Celestial, o New York Times considerou que os números estavam mesmo superestimados, fixando a quantidade de mortes entre 400 e 800. Décadas mais tarde, porém, documentos sigilosos dos Estados Unidos e da Inglaterra se tornaram públicos – e ambos diziam que pelo menos 10 mil pessoas foram massacradas na Praça da Paz Celestial.

Praça da Paz Celestial: da dinastia Ming ao século 21

Uma das maiores praças públicas do mundo, sede do governo e coração do país. A Praça da Paz Celestial, ou Tiananmen, em chinês, é um local famoso em dois mundos diferentes. Na China, é símbolo do orgulho de uma nação milenar que se tornou a segunda maior economia do globo após séculos de exploração por parte de potenciais ocidentais – e em algumas métricas os chineses já ultrapassaram os norte-americanos.

O nome da Praça vem do Portão da Paz Celestial, erguido em 1420, durante a dinastia Ming, e que serve como porta de entrada da Cidade Proibida, a casa dos imperadores chineses durante séculos. O portão original foi destruído e totalmente reformado (e ampliado) algumas vezes, mas o local continuou tendo importância mesmo com o passar das dinastias e o fim do Império. Foi no final do século 20 que nasceu o costume de exibir um grande retrato de um líder chinês na entrada do portão. Desde a revolução de Mao Tsé-Tung, a fotografia dele ocupa o posto.

Veja também: A Cidade Proibida, em Pequim, e a casa dos imperadores da China

120 milhões de habitantes: a cidade sem fim que está nascendo na China

Cidade proibida pequim

Foi Mao quem ampliou a Praça. A partir da década de 1950, o local aumentou em importância. A Cidade Proibida, já aberta ao público, foi revitalizada e transformada num sítio histórico e museu. Prédios residenciais foram demolidos e construções públicas foram erguidas. Hoje ficam ali o Grande Salão do Povo, sede do poder legislativo, o Museu Nacional da China, e o Zhengyangmen, um antigo portão de Pequim que foi transformado em museu, entre outros prédios importantes.

Na ponta oposta ao Portão da Paz Celestial e ao lado do Grande Salão do Povo fica um gigantesco mausoléu. É ali que está em exibição o corpo embalsamado de Mao Tsé-Tung, que morreu em 1976. Todos os dias, milhares de chineses chegam cedo ao local, para visitar os restos mortais do antigo líder comunista. Adorado pela maioria esmagadora dos chineses e visto como pai da China moderna, Mao Tsé-Tung deixou também um rastro de dezenas de milhões de mortes, entre opositores executados e os que perderam suas vidas pela fome.

Se para os chineses a Praça da Paz Celestial é um símbolo do poder do país, no resto do planeta o local é sinônimo para o massacre de 1989. A imagem de um homem, de calça petra e camisa branca, que para sozinho na frente de quatro tanques de guerra, impedindo o avanço do exército, rodou o mundo.

Uma das fotografias mais conhecidas desse momento foi feita pelo norte-americano Jeff Widener, que estava na janela de um hotel que fica próximo à Praça – e obviamente nunca foi divulgada pela imprensa chinesa. No YouTube é possível encontrar um vídeo do encontro entre o homem e os tanques de guerra.

O homem da imagem – cuja identidade e destino nunca foram esclarecidos – foi apontado pela revista Time como um dos mais influentes do século 20. Segundo a maioria das fontes, o manifestante teria sido executado alguns dias depois do fim dos protestos.

O governo chinês sufocou a divulgação do massacre. Como também não há referências ao ocorrido nos livros de escola chineses e a censura impede até as buscas a termos relacionados ao ocorrido na internet, o massacre chega a ser um fato desconhecido por muitos chineses.

Para quem visita Pequim, a Praça da Paz Celestial é um endereço quase tão obrigatório quanto um dos trechos da Grande Muralha, que estão nos arredores da cidade. Passar por ali dá a chance de conhecer a China dos imperadores, potência milenar que construiu a mais extensa obra humana, uma muralha erguida ao longo de dois milênios e 20 mil quilômetros. E também a República que nasceu após o esfacelamento do Império, que superou séculos de colonização, transformou a China numa grande economia, tirou centenas de milhões da miséria, mas ao mesmo tempo massacrou e censurou sua própria população.

O que visitar na Praça da Paz Celestial

A primeira dica é chegar cedo, pois há muito o que fazer. Se for o seu tipo de programa, comece o dia no Mausoléu de Mao Tsé-Tung, que funciona de 8h às 12h, de terça a domingo. A entrada é de graça, mas é preciso guardar bolsas e mochilas num serviço de locker que funciona ao lado, à direita do Mausoléu. É possível entrar até o último segundo do horário previsto, controlado por um grande cronômetro ao lado do portão. A entrada é gratuita, mas é preciso se vestir de forma respeitosa, com a cabeça descoberta, e passar pelo local em silêncio. Fotos não são permitidas.

Praça da paz celestial

Mausoléu de Mao Tsé-Tung

Ao lado do Mausoléu, o Grande Salão do Povo recebe visitas diariamente, do começo da manhã até o meio da tarde (o horário varia ao longo do ano). A entrada custa 30 yuans e no passeio é possível ver por dentro o parlamento chinês, construído no final dos anos 1950. Também não é permitida a entrada com mochilas e bolsas.

Do outro lado da Praça está o Museu Nacional da China, que abre de 9h às 16h30 (fecha às segundas-feiras). O espaço foi inaugurado em 2003 e guarda 50 mil itens da História Chinesa, dos primeiros homens a habitarem a região aos últimos imperadores. Atrás do Mausoléu está o Zhengyangmen, museu que conta a história de Pequim, funciona de 8h30 às 16h e tem entrada por 20 yuans.

Já a Cidade Proibida também funciona de terça a domingo. O horário varia ao longo do ano: de 8h30 às 17h, entre abril e outubro, e de 8h30 às 16h30, de novembro a março. Nesta época o valor é menor, apenas 40 yuans. Nos outros meses o ingresso sobe para 60 yuans. A última entrada é uma hora antes do fechamento, mas convém chegar bem antes disso, porque a visita dura entre três e cinco horas, dependendo do seu ritmo – um tour detalhado por todos os espaços vai exigir um dia inteiro.

As estações Tiananmen West, da Linha 1, e Qianmen, da Linha 2, te deixam na Praça da Paz celestial. Por conta dos prédios oficiais, o acesso ao local é controlado, inclusive com passagem em aparelhos de raio-x – leve seu passaporte, que será exigido e conferido na entrada. O acesso entre a Praça da Paz Celestial e o Portão Tiananmen, na Cidade Proibida, é feito por uma passagem subterrânea que está indicada por placas em chinês e inglês.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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