Seja para fins religiosos ou recreativos, os seres humanos sempre encontraram um jeito de alterar seu estado da consciência. A prática faz parte da história da humanidade e, muitas vezes, chegou a influenciá-la de forma decisiva. Não é a toa que a utilização das plantas alucinógenas para efeitos psicodélicos naturais é tão antigo quanto as culturas humanas, já que é uma forma diferente de “viajar”.
Em uma resenha do livro “A Short History of Drunkenness” (Uma breve história da embriaguez), publicada no “The New York Times”, o jornalista Toni Perrottet afirma que até mesmo o aparecimento da espécie humana se deu porque nossos ancestrais resolveram descer das árvores para beber as frutas que fermentam no chão, que inventamos a agricultura para cultivar cevada e que os sumérios criaram a escrita porque precisavam de um símbolo para cerveja.
Ao longo dos milênios, a alteração da consciência foi parte central da cultura de diversos povos. Das viagens da Ayhuasca nas tribos sul-americanas ao vinho partilhado nas cerimônias católicas, a prática sempre foi uma forma de socialização, de ampliação das nossas percepções de mundo e da mente.
Cogumelos Mágicos
Foto: Shutterstock/Por Frank Fichtmueller
Algumas espécies de cogumelos têm o poder de provocar as mais variadas alucinações, mas essa reação tem pouco a ver com magia, e muito com química. Utilizados em cerimônias religiosas de diferentes culturas desde 9.000 a.C., os cogumelos mágicos têm, em comum, a substância psilocibina, que atua na mesma área do cérebro que é ativada quando sonhamos.
Os indícios mais antigos de seu uso ritualístico foram encontrados em pinturas rupestres no norte da África. Outros desenhos, que datam de 6.000 a.C. levantaram suspeitas de que os fungos também eram consumidos na região da Península Ibérica. Durante a Idade Média, o Amanita muscaria um cogumelo vermelho com pintinhas brancas – aquele mesmo, que costuma aparecer em desenhos infantis – era amplamente utilizado por druidas celtas na Irlanda como uma forma de abrir a cabeça para a sabedoria divina. Já o Psilocybe semilanceata é responsável por desencadear inúmeras alucinações com fadas e elfos, entidades comuns no folclore da região.
O mesmo uso ritualístico foi encontrado nos povos Asteca, Maya, Mazateco, Mixteco, Nauhua e Zapoteco, que habitavam o México e a América Central. Em algumas comunidades indígenas que resistem até hoje, os cogumelos psicoativos ainda exercem um papel central em determinadas cerimônias religiosas, conforme registrou o antropólogo George Wasson, em um artigo para a Life. No idioma asteca, a palavra cogumelo é teonanácatl, que significa “carne dos deuses”.
A legislação sobre a venda de cogumelos alucinógenos é ambígua em muitos países. Os fungos são vendidos na Grã-Bretanha graças a uma estreita brecha na lei. Em Amsterdam, é possível comprá-los em lojas especializadas. Já a cidade de Denver foi a primeira a liberar o consumo nos Estados Unidos, em maio de 2019. No Brasil existem diversas espécies de cogumelos com propriedades alucinógenas, muitas delas crescem livremente na natureza e em pastos. Há comunidades virtuais de caçadores de cogumelos – o que não é crime -, mas sua venda é quase inexistente. Embora não constem na lista de produtos proibidos pela Anvisa, as substâncias psicoativas não podem ser comercializadas.
Um estudo realizado pela Global Drug Survey, em 2017, revelou que essa é a droga mais segura em uso pelo ser humano, ficando à frente de drogas de amplo consumo legal, como o álcool. Apenas 0,02% dos usuários relataram precisar de atendimento médico de urgência.
Ópio
Foto: Shutterstock/ Por SOMSAK 2503
A papoula é outra velha conhecida da humanidade. Há 5.000 anos, os sumérios já a utilizavam no combate à insônia e constipação intestinal e a batizaram de hul gil, ou planta da alegria. Originária da Ásia Menor e cultivada na China, Irã, Índia, Líbano, Iugoslávia, Grécia, Turquia e sudoeste da Ásia, a planta também é a base de extração de uma droga que já deu o que falar: o ópio. Ópio vem da palavra grega que significa suco, e é obtido a partir da extração de uma substância leitosa presente no bulbo da papoula ainda verde.
Foi consumida livremente até o século 19, uma vez que a substância é um sedativo e tranquilizante potente (aliás, é dela que se extrai a morfina), além de eficaz no tratamento de diarreia, gota, diabetes, disenteria, tétano, insanidade e ninfomania. Isso sem citar os efeitos, digamos, divertidos: euforia e sono onírico. Foi amplamente consumida de forma recreacional pelos egípcios na antiguidade, citada como medicamento por Homero na Odisseia e se espalhou pela Rota da Seda por volta do século 7.
Chegou a ser motivo de guerra: no século 19, a população chinesa estava tão dependente da droga que o consumo ameaçava a estabilidade social e econômica do país. Para tentar controlar a situação, o governo de Pequim decidiu proibir o comércio da substância. Só que, adivinha quem é que ganhava, e muito, com a venda de ópio para os chineses? Ela mesmo, a nossa colonizadora e dominadora nem um pouco favorita, a Grã-Bretanha. Na época, o povo da rainha traficava ópio de seus domínios indianos para a enorme população chinesa, e não gostou nem um pouco da proibição. Estima-se que, na altura em que o comércio foi vetado, os comerciantes britânicos colocavam um total de 450 toneladas de ópio no país, ou um grama para cada um dos 450 milhões de chineses.
Como o primeiro decreto, de 1800, nunca foi respeitado, em 1839 a China lançou um novo decreto, apreendeu e queimou, em Cantão, cerca de 20 mil caixas repletas da substância. As Guerras do Ópio foram, na verdade, duas guerras (a primeira de 1839 a 1842 e a segunda de 1856 a 1860) e o motivo pelo qual a China acabou cedendo Hong Kong para o Império Britânico.
Hoje, o consumo de ópio é ilegal ao redor do mundo e essa é considerada uma droga altamente viciante e perigosa, sendo a papoula também a base para a fabricação de heroína. No entanto, em diversas partes do planeta ainda existe a produção e o consumo do ópio continua a ser um problema social grave.
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Maconha
Foto: Shutterstock / Por Oprea George
Muito popular até os dias de hoje, embora ainda proibida em grande parte do mundo, a cannabis é utilizada como planta ritualística por diversas culturas desde a antiguidade. As primeiras referências à maconha sagrada aparecem entre 1.500 a.C. e 1000 a.C, nos Vedas, um conjunto de textos religiosos em sânscrito que são a base da religião Hindu. A planta é descrita como uma das cinco ervas sagradas devido a seus efeitos relaxantes. É também, muitas vezes, associada a Shiva, um dos deuses supremos do hinduísmo.
Segundo a tradição, depois de discutir fortemente com sua família, o deus saiu para dar uma volta e arejar a cabeça. Adormeceu sob a sombra de uma planta frondosa. Quando acordou, resolveu provar a planta e ela tornou-se sua comida preferida. Uma das formas de se referir ao deus é como “Lord of Bhang”, ou Deus da Cannabis.
Hoje, o consumo de maconha é proibido na Índia, mas há exceções para as preparações tradicionais. A planta ainda é utilizada em cerimônias e festas religiosas – como o Holi, a festa das cores -, muito comumente no forma de Bhang, uma bebida preparada a partir da maceração de diversas ervas e que tem propriedades alucinógenas. Os Sadhus, homens místicos que renunciam a todos os bens materiais, utilizam a maconha ou o haxixe livremente em busca da iluminação.
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Há também fortes evidências do papel da maconha em cerimônias funerárias e de sacrifício no oeste da China e Tibet, no século 5 a.C. Acredita-se que, com o auxílio de fogo e música, a planta era utilizada para induzir estados alterados de consciência entre os presentes.
No Oriente Médio, o primeiro registro do uso da planta data de 425 a.C., quando Heródoto descreveu seu uso recreacional entre os Citas, um grupo nômade na Ásia Central. Já nos anos 800 d.C, com o crescimento do Islamismo, a proibição do álcool pelo Alcorão deixou o caminho aberto para que a maconha decolasse entre os devotos, e assim foi por muitos e muitos séculos.
A proibição e demonização da erva só apareceram no século 20, com a lei seca americana e uma subsequente guerra contra as drogas. A maconha, que era então consumida majoritariamente pelas populações de origem mexicana e negra, foi alvo de uma campanha moralista e racista e passou a ser associada à promiscuidade e ao crime.
Não demorou para que outros países seguissem o exemplo e a droga fosse proibida no resto do mundo. Somente em anos recentes essa tendência começou a ser revertida e a maconha pode, outra vez, ser consumida livremente em alguns lugares e também utilizada em pesquisas para tratamento de doenças crônicas.
Erva dos Sonhos
Foto: Shutterstock / Por Heartkiki
Conhecida no meio científico como Entada rheedii, essa trepadeira originária do sudeste da África tem outros nomes mais poéticos: erva dos sonhos, feijão dos sonhos ou erva dos mares, como preferir. Pode ser encontrada também na Ásia e na Oceania e é utilizada em diversos países para o tratamento de doenças de pele, icterícia, dor de dente, úlceras e outras doenças, inclusive em bebês.
Nas comunidades tradicionais da África do Sul, no entanto, a planta também tem uso ritualístico por sua capacidade de induzir os usuários a terem sonhos lúcidos, o que, acredita-se, permite a comunicação com o mundo espiritual. Para tanto, é preciso consumir a polpa interna das sementes, que são enormes: as vagens chegam a um metro de comprimento e, os grãos, a mais de 10 centímetros. A polpa pode ser comida fresca ou raspada, seca e fumada misturada a outras ervas, como o tabaco. As sementes também são vendidas como amuletos de boa sorte.
Ayahuasca (Santo Daime)
Foto: Shutterstock/Por Dana Toerien
Essa não é uma planta, mas a combinação de duas: cipó mariri e folhas da chacrona. A folha contém dimetiltriptamina (DMT), um potente psicodélico. O cipó tem um inibidor da monoamina oxidase, o que permite que o alucinógeno drible a barreira dessa enzima (que em grandes ou pequenas quantidades pode causar depressão, fobias e outros distúrbios), e chegue ao cérebro. Os dois juntos formam um chá de grande importância cerimonial para as populações amazônicas: a Ayahuasca ou chá de Santo Daime.
Há registros de que a bebida é utilizada por aquelas bandas há pelo menos um milênio, e ninguém sabe direito como foi que surgiu a ideia de colocar as duas plantas alucinógenas juntas. No passado, apenas os xamãs das tribos eram autorizados a consumi-las, mas hoje seu uso é bem mais amplo, sendo permitido a turistas e pessoas interessadas em seu poder de acessar o subconsciente, sem nunca, no entanto, ser dissociada de seu papel espiritual.
O chá proporciona às pessoas contato com experiências e sensações escondidas no fundo de suas mentes, sendo eficaz no tratamento de traumas, bloqueios, vícios e doenças psicológicas ou psicossomáticas. Os efeitos podem durar entre duas e quatro horas e podem vir acompanhados de vômito e diarreia. A substância é banida em diversos países do mundo. Nos países amazônicos, no entanto, seu uso é permitido dentro do contexto religioso.
Iboga
Utilizada no tratamento de depressão, picada de cobra, impotência masculina, esterilidade feminina, Aids e também como estimulante e afrodisíaco, a Iboga é uma raiz nativa da África Central. Perigosíssima, a ibogaína, principio ativo da planta, tem efeitos devastadores sobre o cérebro, mas diversos usos medicinais.
A droga também se mostrou eficaz no tratamento de dependência química, mas pode levar ao coma, alucinações fortíssimas e à morte. Durante o coma, muitas pessoas relatam viagens astrais a outros mundos e experiências fora do corpo. Os adeptos de uma religião chamada bouiti, em Camarões, acreditam que ela nos leva ao mundo dos mortos e ajuda na cura de doenças místicas, como a possessão.
Peyote
Foto: Shutterstock/ Por vainillaychile
O pequeno cacto redondo que cresce na região central do México e dos Estados Unidos tem papel importante entre as culturas originárias dali. No passado, os astecas e outros grupos indígenas costumavam ingerir a planta fresca ou seca para provocar visões e entrar em contato com os deuses. E, ainda hoje, faz parte dos ritos da Igreja Nativo Americana e tem o uso ritualístico liberado em ambos os países
O principio ativo do peyote é a mescalina, um potente alucinógeno natural presente não apenas no Lophophora williamsii, mas em várias espécies de cacto, como o São Pedro (Echinopsis pachanoi), nativo da America do Sul e que é bastante utilizado entre os xamãs do Equador e Peru. Ela provoca alterações na percepção sensorial, euforia, sinestesia e alucinações realistas. Entre os efeitos adversos estão o aumento da pressão arterial, inibição do apetite, calor, calafrios, náuseas e vômito.
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Sálvia
Nativa do estado de Oaxaca, no México, a sálvia tem uma infinidade de usos que vão desde a culinária até a medicina popular: é muito eficaz no combate à ansiedade, irritabilidade, transtornos da menopausa, diabetes e no tratamento de gastrites e úlceras. É cicatrizante, antisséptica, hipoglicemiante, antirreumática, cardiotônica, anti-inflamatória (garganta e amígdala), bacteriostática e adstringente e… alucinógena.
É que a planta é rica em salvinorin A, um psicoativo que pode induzir visões. Os mazatecas, que habitam a região da Sierra Madre, costumam usá-la em suas cerimônias religiosas como uma forma de entrar em contato com os deuses. Pode ser consumida em forma de chá ou mastigando as folhas. Provoca dissociação da realidade, imagens que remetem a outras dimensões e contatos com outras inteligências dentro da própria mente, efeitos que só podem ser comparados com os da Dimetiltriptamina, principio ativo da Ayhuasca.
Desde 2012, o uso e cultivo da Salvia divinorum é proibido no Brasil.
Artemísia
Foto: Shutterstock/Por Dmitry Fokin
Consumida desde a antiguidade, a planta foi batizada em homenagem à deusa grega Ártemis, filha de Zeus. Tem diversas propriedades medicinais e era receitada por Hipócrates, o pai da medicina, no tratamento de cólicas menstruais, reumatismo e dores de estômago. Quando consumida em altas dosagens, pode provocar alucinações devido a presença de tujona em sua composição. É também utilizada na indução de sonhos lúcidos, tendo o poder de trazer à tona medos e traumas subconscientes. Pode ser bebida em forma de chá, fumada ou utilizada como incenso. A artemísia é uma das plantas alucinógenas usadas na fabricação de absinto e a responsável pelo efeito alucinógeno da bebida.
Xhosa
Nativa do sul da África, a Silene capensis é também conhecida como raiz dos sonhos. É utilizada em rituais de iniciação de algumas tribos. Em geral, a raiz é transformada em pó e bebida com água. Não produz qualquer efeito em usuários despertos, mas tem o poder de induzir sonhos mágicos e proféticos.
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Não profanar o uso dos tudo que nos foi dado pelo criador faz toda a diferenca pra que se tenha vida em plenitude, o resto é o resto.
Genesis 1-11
Boa tarde!
capim-limão pode ser fumado?
Muito interessante.
Percebemos a importancia dessas plantas chamadas de drogas.
A parte do preconceito é devido o uso abusivo. Mas, a sua história é milenar. O mais importante é que muitas delas fazem parte da nossa história medicamentosa. São a criação divina em prol da saúde a milênios. Parabéns a pesquisadora que conseguiu reunir nessa pesquisa informações tão precisas para nós os leigos.
Obrigada, Eugênio!
Aff desde quando Absinto e Marihuana são alicinógenos?????
pow deixar a trombeta de anjo fora dessa é um crime ambiental kkkk nem argyreia nervosa esta…
Curto muito seus posts, são muito bem criativos e interessantes.. Sempre estou aqui lendo e compartilhando com minhas amigas…
Beijos 😘.
Meu Blog: Alice Soares
Obrigada, Alice!
não sabia sobre a Salvia
Parabéns pelo conteúdo.
Muito bem explicado..
Ah, eu não sabia das propriedades da Sálvia e da Artemisia.
Obrigada, Hélio! Muitos dos efeitos dessas plantas também foram novidade para mim!
Muito interessante!
Obrigada, Fernanda!