José Ramos era um cara popular. Ex-policial, o Zé era conhecido em Porto Alegre por outra atividade: seu açougue, que ficava no centro da cidade, na época com apenas 20 mil habitantes. POA vivia seus tempos de vila, na segunda metade do século 19. Apesar de ser uma cidade pequena, aquele foi uma período agitado. Época de guerras, confrontos políticos, rebeliões e, claro, um pouquinho de canibalismo involuntário.
Canibalismo que começou no açougue do Zé, famoso por fazer linguiças de ótima qualidade, produtos que tinham um gostinho especial, um ingrediente secreto. Carne humana.
Mas não vamos passar com o carro na frente dos bois – bora falar um pouco mais de Porto Alegre. Imagine uma cidade com algumas dezenas de ruas, todas elas com nomes simpáticos e descritivos, tipo Rua do Poço, Rua da Praia, Rua da Ladeira e Rua da Ponte. Acrescente no cenário a iluminação da época – os fedorentos lampiões de óleo de baleia. Pronto, acho que já deu para você imaginar um cenário sombrio e relativamente pacato, típico de uma cidade onde todo mundo conhecia todo mundo (e adorava falar da vida dos outros).
Porto Alegre em 1865 (Foto: Luigi Terragno)
Foi nessa POA que o Zé morou. E matou. Depois de mais de um século desde aqueles acontecimentos macabros, é claro que muitas partes dessa história se perderam. E outras tantas foram acrescentadas aos poucos, pelas bocas de incontáveis fofoqueiros, que adoravam dar detalhes cada vez mais inacreditáveis ao relato. É por isso que não se sabe ao certo quais partes dessa história são verdadeiras e quais são fruto da imaginação coletiva.
Mas uma coisa é fato: o Zé foi preso e julgado pelo assassinato de pelo menos seis pessoas, quase todos descendentes de alemães (era a época da imigração). Um deles era o antigo dono do açougue do Zé, que tinha espalhado pros vizinhos a história de que o alemão tinha vendido o açougue e retornado para a Europa. Na real, o cara tinha sido é vendido no açougue.
Segundo as histórias contadas nas ruas, relatadas no livro “O Maior Crime da Terra“, de Décio Freitas, o Zé tinha uma cúmplice: sua companheira, a húngara Catarina. Era a promessa de uma noite quente com Catarina que levava as vítimas até a casa do Zé, na Rua do Arvoredo. Uma vez lá, a vítima levava uma pancada na cabeça e virava linguiça.
A polícia só descobriu o caso quando sumiram um comerciante, seu ajudante de 16 anos e o cachorrinho do rapaz. Os ossos dos três foram encontrados na casa do Zé, assim como um monte de objetos que não eram dele e nem de Catarina. O que sobrou do Carl Gottlieb Claussner, antigo dono do açougue, também foi encontrado lá. O detalhe é que ele tinha sido comparsa do Zé durante um bom tempo, ajudando na matança e, dizem alguns, o dono da brilhante ideia de usar a carne das vítimas para fazer linguiça (e assim eliminar provas).
POA já no começo do século 20 (Foto: autor desconhecido)
Quem deu os detalhes macabros da história foi a Catarina, que contou para a polícia todo o modus operandi para transformar gente em linguiça. A polícia não gostou da história. Apesar de uma série de crimes estar finalmente resolvida, o principal culpado era um ex-policial, alguém que tinha relações com o chefe de Polícia e que costumava fazer uns bicos na delegacia.
Talvez isso explique a rapidez com que o processo foi julgado. E como o Zé escapou da pena de morte, ao ser julgado só por latrocínio. Segundo algumas versões, é por conta disso que as páginas do processo que relatavam a questão das linguiças desapareceram. Mas nada impediu que a história tomasse conta das ruas, para o horror de 20 mil porto-alegrenses, gente que tinha comido gente sem saber.
O Zé morreu em 1893, de lepra. E sem confessar nada. Catarina, a X-9 do esquema da linguiça, tinha morrido dois anos antes. Porto Alegre cresceu – hoje a Rua do Arvoredo não existe mais, pelo menos não com esse nome: virou Rua Coronel Fernando Machado. Eu passei por lá, durante minhas andanças pelo centro da cidade. Nem faria ideia dessa história se não tivesse lido algo sobre o assunto na descrição do tour gratuito que ocorre em POA todos os sábados.
Como dito antes, é difícil saber quais partes dessa história podem ser consideradas lenda urbana e quais são verdadeiras. Mas, francamente, isso não faz diferença: os crimes da rua do arvoredo passaram a fazer parte da cultura e história de POA.
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Sensacional!
Tava aqui procurando outras dicas sobre POA e vendo o texto, lembrei que eu tirei foto de um pedaço de um mapa antigo, exposto no museu militar ali no centro de POA, que mencionava justamente o caso!
A foto foi pra lembrar da história e pesquisar depois, mas olha só… a história que chegou até mim! 😀
No mapa, tem uma seta para a casa e com o seguinte texto (transcrevi tal como está na foto):
“Caza de José Ramos e da jovem hungara Catharina Palse, prezos em 18.04.1864. No poço forão achados os corpos de Januario Martins Ramos da Silva, do menino José Ignacio de Souza Ávila e de hun cachorro. No porão, os ossos de Carlos Klausener. O povo dizia que fazião linguiça de carne humana.”
Eu sei que a história é macabra mas msm assim dei uns tres ou quatro sorrisos durante a leitura pelo modo inteligente como esse episódio foi escrito
Fico feliz de saber, Flavia!
Abraço.
A cada post o 360 me surpreende! Vocês são ótimos!
Poxa, fiquei feliz com o comentário, Marcolina. 🙂
Abraço.
Rapaz muito boa a História, você consegue prender muito bem o leitor, parabéns!
Que bom que gostou, Harv.
Abraço.
Parabéns meu amigo historia bem investigada e muito bem mencionada e relembrada por você
meu irmão trabalha na rua FERNANDO MACHADO a atual rua que foi cometido as
barbaries e nunca acreditou quando eu contei para ele esta historia agora posso provar kkkkk
haha. Manda o link pra ele, Julio.
Abraço e obrigado pelo comentário.