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O sagrado e o profano no Círio de Nazaré


Eu esperava encontrar milhares de pessoas espremidas numa corda e uma procissão gigantesca seguindo a imagem de Nossa Senhora de Nazaré, mas não sabia que o Círio envolve também drag queens dançando no Centro Histórico de Belém. E mulheres vestidas de bruxas, música popular, um arraial que celebra a cultura amazônica e uma festa LGBTQ+ que ocorre há décadas e atrai pelo menos 40 mil pessoas.

Embora os eventos do calendário oficial, criado pela Organização do Círio de Nazaré, tenham um caráter religioso, a festa, que é uma manifestação popular, aos poucos foi incorporando comemorações paralelas. É o lado profano do Círio, que foi fundamental para que que a festividade fosse declarada Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO, em 2013.

E o IPHAN, que tombou o Círio em nível nacional em 2004, também destaca essa relação. “É mais do que um mero fenômeno religioso, podendo ser observado e compreendido sob diversos pontos de vista: religioso, estético, turístico, cultural, sociológico, antropológico, etc. No Círio, o sagrado e o profano não se excluem, complementam-se, e ambos fazem parte dessa grandiosa manifestação”, diz a conclusão de um dossiê elaborado pelo Instituto. A pesquisa citou como profanos os exemplos do Auto do Círio, da Festa da Chiquita e do Arrastão da Pavulagem, que foram catalogados junto com a parte sagrada do evento.

Auto do Círio

Auto do Círio: atores em cortejo

Enquanto a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré aguarda a Romaria Rodoviária, em Ananindeua, cidade vizinha da capital do Pará, artistas fantasiados começam sua concentração na Praça do Carmo, em Belém. O Auto do Círio ocorre na noite da sexta-feira anterior à romaria.

Sentado numa arquibancada montada na Cidade Velha, eu esperava a passagem do cortejo, que chegou com centenas de artistas fantasiados dos mais diversos personagens, espetáculos culturais e performances, tudo em frente aos principais prédios públicos da cidade, como a Catedral de Belém, a Igreja de Santo Alexandre e o Palácio de Governo.

Mas as pessoas não deixavam dúvidas: “Viva Nossa Senhora de Nazaré”, ouvi algumas vezes, entre músicas populares e outras canções. Ao contrário do que observei nas procissões do Círio, ali estavam muitos vendedores ambulantes com cerveja e gente focada na diversão. O Auto do Círio nasceu em 1993, por inciativa de professores e estudantes da Universidade Federal do Pará, e arrasta 60 mil pessoas para o centro histórico de Belém, todos os anos.

Círio profano

Arrastão da Pavulagem

A sexta acaba em festa, mas muitos fiéis madrugam no sábado. É que o dia da Imagem Peregrina começa cedo, com as romarias rodoviária e fluvial, que termina na Estação das Docas. Se de lá a Santa segue para o Colégio Gentil Bittencourt, que fica na região da Basílica de Nazaré, muitos romeiros preferem se juntar ao Arrastão da Pavulagem, que tem início na Estação das Docas, após o desembarque da Santa, mas segue em direção oposta, sentido Praça do Carmo.

Na cultura popular paraense, o Arrastão da Pavulagem está ligado às festas juninas e ao boi-bumbá. É uma espécie de continuação das festas de junho e ocorre desde o Círio do ano 2000. Os brincantes se divertem com muito carimbó, ritmo musical típico do Pará e que tem influência indígena, africana e europeia. A ideia do Arrastão da Pavulagem é valorizar a cultura popular da Amazônia.

Outro ponto alto da festa são os brinquedos de miriti, feitos com fibra de buriti e que são um símbolo do Círio. Durante anos, o cortejo foi acompanhado por uma gigantesca cobra de miriti, enquanto em outras edições barquinhos de miriti lembravam o Círio Fluvial.

Batalhão alegre e formoso colorindo o Centro Histórico.

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Festa da Chiquita

Quando a Imagem Peregrina passa pela Praça da República e segue pela Avenida Presidente Vargas, durante a Trasladação, começa a Festa da Chiquita. Batizada em homenagem à marchinha Chiquita Bacana, que “só faz o que manda o seu coração”, a festa existe desde a década de 70, nasceu como um bloco de carnaval, se tornou um marco do movimento LGBTQ+ no Pará e acabou entrando para o Dossiê do IPHAN junto com o calendário do Círio.

Isso, claro, gerou polêmica. Como pode uma festa LGBTQ+ começar logo após a passagem da Santa, da praça ao lado de onde está ocorrendo a segunda maior procissão da festa, que atrai até um milhão e quinhentas mil pessoas? Não só pode como virou tradição, a ponto de atrair romeiros, sejam homossexuais ou não, e também aqueles que não se sentiam incluídos na festividade religiosa e precisavam de um espaço para chamar de seu. Durante a Festa da Chiquita são entregues os prêmios Veado de Ouro e Rainha do Círio.

“A gente acha que a Santa deve ir escondida, disfarçada, para a Festa da Chiquita, onde estão pessoas alegres, que não fazem mal a ninguém. Tanto é que é uma festa que ocorre a noite toda e não tem uma briga. Isso é paz, é demonstração de gente que tem discernimento”, disse Eloi Iglesias, coordenador da festa, no documentário As Filhas de Chiquita, dirigido por Priscilla Brasil. Vale assistir.

Ceia do Círio

A Festa da Chiquita acaba de madrugada, na Praça da República, enquanto fiéis já começam a se juntar na Catedral. É que no comecinho da manhã de domingo é hora do Círio de Nazaré, a maior das procissões. Ela se encerra na Basílica, perto da hora do almoço. Em seguida vem a Ceia do Círio, mais uma prova de que a festividade deixou de ser puramente religiosa há tempos – já se tornou um marco familiar, momento para ver parentes, conversar com amigos, comer bem e se preparar para um ciclo que começa ali.

série círio de nazaré

Leia os outros textos da Série Círio de Nazaré:

O Círio de Nazaré e o chorar sem entender

As romarias do Círio de Nazaré e como organizar sua viagem

A corda do Círio de Nazaré e a fé de milhões

O Círio Fluvial e os barcos em romaria

*O 360meridianos viajou a convite da Secretaria de Turismo do Pará.

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Rafael

Siga minhas viagens também no perfil @rafael7camara no Instagram - Quando criança, eu queria ser jornalista. Alcancei o objetivo, mas uma viagem de volta ao mundo me transformou em blogueiro. Já morei na Índia, na Argentina e em São Paulo. Em 2014, voltei para Belo Horizonte, onde estou perto da minha família, do meu cachorro e dos jogos do América. E a uma passagem de avião de qualquer aventura.

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2 comentários sobre o texto “O sagrado e o profano no Círio de Nazaré

  1. Gostei da matéria. Também não sabia destas comemorações paralelas! A imprensa (Tv Globo) apenas divulga a procissão pelas ruas das cidade, sou devoto de são Francisco, Padre Cícero, e também da Virgem de Nazaré, entre outros santos católico e como sou romeiro tenho vontade de participar desta linda homenagem. Com fé em Nossa Senhora de Nazaré um dia vou fazer esta caminhada da fé ai em Belém e também participar de outras manifestações de devoção.

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