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Burocracia, esse inimigo inominável

A humanidade inventará o teletransporte e as máquinas do tempo, mas jamais conseguiremos vencer a burocracia. Passaremos a eternidade presos a pilhas e pilhas de documentos, papéis assinados em três vias, registrados em cartório, rubricados em todas as folhas e devidamente guardados num depósito qualquer. Estocados até o dia do esquecimento.

A burocracia é nosso Labirinto de Creta, nosso Minotauro, nosso inimigo inominável. A diferença é que usar um fio para tentar escapar desse labirinto, tal qual fez Teseu, só servirá para aumentar o problema: aposto que é daí que vem a expressão “red tape”, cujo significado é autoexplicativo e fica evidente na foto que abre este texto.

O Brasil é campeão no setor, tanto é que chegou a adotar a saída mais burocrática possível para tentar resolver o problema, com a criação, em 1979, do Ministério da Desburocratização. Institucionalizamos não apenas a red tape, mas as formas de combater a red tape.

Dito isso, que fique claro que a burocracia não é um problema só do Brasil. Também não é um desafio apenas de países em desenvolvimento e sequer se limita ao setor público, afinal não faltam grandes empresas privadas capazes de dar workshops sobre o tema, tudo explicadinho em 117 telas de power point.

Como já contei aqui no blog, no mês passado eu me mudei de casa, em Belo Horizonte, o que foi a motivação para escrever este texto. Enquanto me preparo para pagar o primeiro aluguel do apartamento novo – que, ainda bem, é mais amigo do bolso -, lido com burocracias de todos os tipos. Já estive duas vezes na Cemig, a empresa de energia do estado, para tentar mudar a titularidade da conta de luz para meu nome. Falhei em ambas. Precisei de uma semana para conseguir religar a internet no endereço novo – e olha que a empresa garantiu que resolveria o problema em 24 horas.

Fora o processo de mudança em si, que envolve fiadores, recusa de fiadores, oferta de seguro fiança, recusa de seguro fiança, imobiliárias que não querem te atender, troca de imobiliária, contratos, cartórios e filas sem fim. Vai ver é por isso que tem gente que aceita financiamentos de décadas para comprar a casa própria: se é preciso enfrentar tudo isso, que seja só uma vez na vida.

Terminada a mudança, comecei a desempacotar. Foi aí que achei não três, tampouco quatro, mas seis vias do meu registro de morador da Índia, que tirei nos primeiros dias que passei no país, em 2011. Tudo mimeografado, preenchido a mão e ocupando duas folhas, frente e verso. O tamanho ideal para levar na carteira.

Nem me lembrava mais dessa saga, mas reencontrar a papelada cinco anos depois, com todas as suas vias, refrescou a memória. Tirar o documento foi outro drama, que envolveu algumas idas ao escritório do Registration Office, em Chandigarh. Uma delas foi em pleno feriado, data marcada pelo funcionário que nos atendeu, que se esqueceu que a repartição não abriria naquele dia. Além de usar o documento para entrar e sair do país, me lembro de tirar a papelada da carteira para conseguir fazer coisas bem mais simples, como conseguir um chip local para meu celular.

Do Oriente ao Ocidente, do Sul ao Norte, a burocracia segue inabalável. Já foi pior, eu sei, e a internet, que diminuiu fronteiras e aposentou alguns carimbos, tem sua participação nisso. Mas é assustador pensar que num mundo conectado e onde você pode estar numa aldeia do Himalaia, vendo o nascer do sol enquanto faz uma reunião de negócios por Skype com alguém no Brasil, ainda restem tantos carimbos.

Por exemplo, já tentei entender várias vezes, mas não consigo achar uma explicação válida para a necessidade de uma procuração para viajantes, pelo menos não no mundo atual. Também tenho uma preguiça enorme da necessidade de reconhecer firma em cartórios, até porque já me disseram que a minha assinatura não era minha. Eu saco dinheiro no banco só com minha digital e não assino absolutamente nada há anos, mas tenho que levar um documento no cartório para alguém avaliar se aquilo ali foi eu que assinei. Amigo, eu assino coisas tão raramente que só por milagre conseguiria assinar dois documentos da mesma forma, mas você vem reclamar da assinatura? Ninguém tem assinatura padrão hoje em dia, a não ser quem dá autógrafos por aí, o que definitivamente não é o meu caso.

No dia do juízo final, quando o meteoro prometido finalmente chegar, sobreviverão as baratas e os burocratas. Isso se o dia do julgamento já não tiver ocorrido, claro. A gente só não ficou sabendo, já que o meteoro foi avisado no Diário Oficial de alguma pequena repartição que fica no terceiro andar de um prédio qualquer.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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4 comentários sobre o texto “Burocracia, esse inimigo inominável

  1. Tente abrir uma empresa aqui em Pernambuco. Uma sociedade simples, pra ser mais exato. Suas idas e vindas a cartórios de pessoa jurídica, cartórios de notas e receita serão infindáveis. Sou contador e estou deixando esta linha de serviços por causa da burocracia excessiva e burra que existe no Brasil. Algo que de nada serve… Vide os casos de corrupção num país que deveria ter tudo amarrado. Teoricamente, burocracias deveriam servir para “blindar” as coisas…

    1. Paulo, olha só a nossa situação: temos um negócio digital, uma empresa de três sócios e somente isso. E só um deles, eu, morando no Brasil. Não tem endereço fixo, a empresa se resume a meu notebook e onde quer que eu esteja, assim como as minhas sócias. Daí a prefeitura de Belo Horizonte, onde moro e a empresa foi aberta, pede um endereço e cobra anualmente uma taxa de fiscalização, pensando em modelos de negócio que não são digitais. Pra quê? A questão fundamental do meu negócio é não ter endereço fixo. Mas, beleza, vamos admitir que eles precisem disso por motivos de segurança. Pagamos todo ano a taxa. O fiscal não faz mais que olhar o endereço e ir embora. Nem bate a campainha. E ainda pago uma taxa de incêndio, o que é ainda pior, já que o único incêndio possível é no meu notebook.

      Enfim, não vou nem começar a reclamar do resto. hahaha Mas você me entende.

      Abraço.

  2. É uma boa reflexão! Mas tenho alguns posicionamentos que defendem a burocracia (não em todos os seus aspectos).
    Por ter formação jurídica, vejo que algumas situações que você abordou são praticamente impossíveis de serem diferentes, a exemplo dos fiadores, ou garantias que se requerem quando da celebração de um contrato de aluguel (mais segurança na celebração de negócios). Também entendo o porquê de existirem cartórios para reconhecimento de firma (mais segurança também, ou, no mínimo, diminuir as fraudes). No judiciário, o que se observa é que a ausência desses “cuidados” podem gerar prejuízos irreversíveis.
    Simplificando: só exigem garantias e fiadores de você, 1) porque existem pessoas que não arcam com seus compromissos, 2) porque existe uma previsão legal.
    Assim, o comportamento e a cultura do lugar fazem com que sejam criadas mais e mais leis para resguardar o direito e garantir segurança nas relações. Em lugares onde a incidência de inadimplentes é bem menor, acredito que a existência de leis burocráticas também seja menor.
    Porém existem coisas que são totalmente dispensáveis. Exemplo disso é o banco exigir comprovante de residência para conclusão de cadastro. Atualmente moro com minha avó, as contas são pagas pela internet e eu escolhi recebê-las apenas em endereço eletrônico (meio ambiente agradece), ou seja, não havia como comprovar onde eu morava.
    Acontece que as leis estão sempre um passo atrás da sociedade. Quem sabe com os avanços trazidos pela tecnologia essa burocracia não seja diminuída…

    1. Baita comentário, Felipe. Obrigado! 🙂 E olha: vivi hoje exatamente a situação que você falou. Acabei de me mudar de casa, então não tenho comprovantes de endereço em meu nome. E os poucos que tenho chegam no meu e-mail. Fui ao banco e me exigiram comprovante de endereço. Como fazer, já que não tenho? Deu uma dor de cabeça grande e acabei resolvendo com um comprovante do meu pai. O detalhe é que não moro com meu pai, mas foi o que a burocracia aceitou: que eu desse um comprovante de um lugar onde não vivo mais.

      Eu entendo a necessidade de fiadores, mas fico com a impressão que muitas vezes isso é totalmente pra inglês ver, sabe? Só pra satisfazer a exigência, mas com zero análise para saber de fato se a pessoa tem condições de ser fiadora.

      Outro exemplo: para receber um dinheiro do exterior que estava em nome de outra pessoa, o banco pediu uma procuração. O Banco enviou, inclusive, o modelo de procuração na carta de aviso que chegou pelo correio. A procuração foi feita com base no modelo enviado pelo banco, enviada da Europa, chegou pra mim semanas depois e eu fui ao banco. Tudo para ouvir que aquele não era o modelo de procuração deles, que eu tinha que ter pego o modelo online. Essas coisas irritam muito.

      Abraço e obrigado pelo comentário.

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