Medo de dirigir e a coragem para superá-lo

Olá, meu nome é Luiza, tenho 28 anos e medo de dirigir. Não foi um medo que eu sempre tive na vida. Ele também não surgiu por conta de um acidente ou coisa trágica. Foi mais uma compilação de fatores, mas vamos voltar um pouco nessa história.

Tudo começou quando eu tinha uns 17 ou 18 anos. Nessa fase em que quase todo mundo quer fazer autoescola e aprender a dirigir, eu não me interessei por isso. Tinha entrado na faculdade há pouco tempo, não tinha a menor perspectiva ou vontade de ter um carro e preferia ocupar meu tempo com os estágios e programações do curso do que assistir aulinhas de direção (e pagar por elas com a minha meia bolsa).

Assim, os anos se passaram e eu nunca arrumava tempo, disposição ou dinheiro para tirar a carteira de motorista. E não era uma coisa daquelas: “ahh, mas você é mulher e a sua família não quis te ensinar”. Minhas duas irmãs, ao contrário de mim, tiraram a carteira (ou a carta, como dizem os paulistas) assim que fizeram 18 anos. Elas dirigiam o carro da minha mãe ou do meu avó quando era possível.

A questão é que meus interesses sempre foram outros e eu acho que não tem nada de errado nisso. Ainda descobri que, como eu, muitos jovens de Nova York (ahah, olha que comparação boa) já nem querem aprender a dirigir porque moram numa cidade em que o transporte público os atende muito bem, obrigado. Em vez de carro, eu queria viajar. E fui. Fiz intercâmbio nos Estados Unidos. Fiz intercâmbio na Índia. Dei a volta ao mundo.

Quando voltei para casa e me mudei para São Paulo, já tinha certeza: não preciso de carro para viver bem e certamente não valorizo esse tipo de coisa. Porém, foi mais ou menos nessa mesma época que eu e a Naty observamos que ter carteira também era importante. Porque eu posso até não querer um carro, mas saber dirigir é uma habilidade necessária, que pode tanto te salvar de um sufoco quanto facilitar sua vida numa viagem. E foi assim que eu comecei a fazer autoescola na cidade que tinha o pior trânsito do Brasil.

Na mesma época, eu convivi com uma pessoa que tinha medo de dirigir: a minha chefe – quando eu ainda trabalhava em uma assessoria de imprensa – tinha comprado um carro com o marido, mas tinha pânico de dirigir sozinha. Ela até procurou grupos no Facebook de gente que também tinha esse medo e contou que descobriu muitas pessoas, homens e mulheres, que passavam pela ansiedade e desespero de estar atrás do volante.

Eu não vivi isso enquanto fazia as aulas de direção. Pelo contrário, fui muito bem e passei no exame de primeira. O problema veio depois. Eu morava em São Paulo e não tinha onde praticar. Eu só ia a Belo Horizonte uma vez a cada mês ou dois. E, quando tentava pegar o carro, já sentia mais dificuldade para me lembrar de tudo, ainda mais que o carro da minha mãe era completamente diferente daquele em que eu treinei nas aulas. Eu fui perdendo a confiança e as brincadeiras da minha família passaram a me incomodar, a ponto de deixarem de ser brincadeiras. Foi assim que passei a ter medo de dirigir.

Eu me mudei para Portugal e nunca mais peguei um carro. Se era preciso alugar um veículo para viajar, eu arrumava alguém para dirigir por mim. Eu fiz uma viagem de dois meses sozinha, da Grécia a República Tcheca, em que um carro muitas vezes teria facilitado a minha vida, mas nem cogitei essa opção.

Mas, às vezes, o destino coloca na nossa frente situações que não podemos evitar. Minha dissertação de mestrado envolve o estudo de dois casos de turismo em regiões rurais de Portugal. Ou seja, não tem transporte público que me leve para lá. E, para completar, também seria necessário circular entre diferentes cidades para fazer as entrevistas. Ou eu passava a vergonha de não fazer o estudo que eu queria, ou eu enfrentava meu medo. E olha que eu até tentei, mas não tinha ninguém que poderia dirigir por mim durante uma semana.

E foi assim que eu aluguei um carro e dirigi sozinha pela primeira vez. Eu confesso que passei os dois dias anteriores morrendo de ansiedade. Mentalizando o que precisaria fazer. Pedi para uma querida amiga portuguesa para me deixar dirigir o carro dela por uma horinha, para lembrar mais ou menos. Foi um pequeno desastre. Até vi alguns vídeos no Youtube (santa internet!) para tirar dúvidas de coisas que eu sempre errava. Tipo, passar a marcha – eu não sabia qual a altura certa para trocar, passo a marcha trocada, deixo o carro dar uns pulos por pisar meio errado na embreagem, enfim, um sufoco.

Claro, quando eu peguei o carro estava chovendo, porque Murphy não ia deixar essa oportunidade passar. E lá veio meu primeiro acidente: na hora de tirar do lugar em que estava estacionado, me atrapalhei toda, de medo, claro, e dei uma encostada numa van que estava parada. Eu conferi que não tinha rolado nada com a van, porque foi bem leve, e segui 40 km de viagem, com direito, além da chuva, a curvas fechadas, subir uma serra e achar um estacionamento em que eu não tivesse que fazer baliza.

Quando eu finalmente cheguei no meu destino, eu tremia de tensão. Desci e conferi o que tinha rolado com o meu carro alugado. Quis chorar. O parachoque da van ficou intacto, nem um arranhãonzinho, mas o do meu pobre carrinho tinha amassado bastante. Eu ia morrer numa franquia de 300 euros.

O carro acidentado

Passei o resto da semana sem cometer mais nenhuma cagada, super concentrada, nem música eu ligava, porque eu percebi que qualquer distração aumentava meu risco de acidentes, grandes ou pequenos. Eu cantava sozinha, eu conversava comigo mesma atrás do volante. E no final da semana eu estava MUITO orgulhosa de mim.

Porque tem gente que me acha corajosa por viajar por aí, mas eu não concordo com isso. Viajar é uma coisa que eu gosto e me dá prazer. Já dirigir é uma coisa que eu tenho medo, um medo muito real e apavorante e ainda assim lá estava eu, sozinha, enfrentando isso nas estradinhas do Alentejo. Isso sim me torna corajosa, nos meus conceitos. Mesmo que dirigir seja uma coisa banal para o resto das pessoas.

No último dia, já mais confiante, eu até desviei um pouco do meu caminho para conhecer um castelo em Aljezur e a praia de Zambujeira do Mar. Foi meu presente de vitória.

Ainda prefiro ser copilota e tirar fotos da paisagem

Vou ser sincera, eu não superei meu medo de dirigir em 100%. Tive que pegar o carro sozinha novamente para ir à Serra da Estrela e outra vez eu tive crise de ansiedade. Dessa vez, paguei um seguro mais caro, que cobria toda a franquia – mas não tive nenhum incidente. E também tive que enfrentar dirigir dentro da cidade (o que é muito complicado) e à noite, com neblina, subindo a Serra. Mas deu tudo certo e eu voltei para casa, dirigindo, no dia do meu aniversário. Que presente, né?

É muito fácil a gente desenvolver medos, principalmente se outras pessoas – mesmo que de brincadeira – começam a dizer que não somos capazes de alguma coisa. A única forma de superar isso é enfrentar a questão.

Alguém aí também tem medo de dirigir? Ou tem outro pânico, tipo andar de avião, viajar sozinha, etc? Conta pra gente nos comentários e vamos nos apoiar para superar isso!

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

Ver Comentários

  • Oi Luiza, faz meses que acompanho o blog de vcs, porém esse é meu primeiro comentário...
    Eu não tenho medo de dirigir, talvez pq a cidade onde moro é pequena, não chega a 80 mil habitantes. Mas morro de ansiedade quando vou falar em publico, apresentar trabalho na faculdade por exemplo, estou no 3ºano de arquitetura e esse medo ainda me incomoda muito!!
    Adoro o blog, meu sonho é poder viajar pelo mundo!
    bjos

  • Pois é, eu nunca gostei de dirigir e, assim como você, passei os 18 anos (tenho 38 hoje) sem nem cogitar em tirar a "carta". Tirei aos 22-23, por pura necessidade.

    Hoje, vou ao trabalho de transporte público e, dirigir, só pra ir ao mercado (e olha lá!).

    []s

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Luiza Antunes

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