Sabe qual a maior prova de que você precisa urgentemente de praia? É se você tiver nascido na área vermelha do mapa abaixo. Muito mais que o calor ou o cansaço com o dia a dia do escritório, é a ausência de praias perto de casa que torna qualquer faixa de areia um paraíso – uma Noronha ou Ko Phi Phi particular.
Eu, como mineiro orgulhoso que sou, sei disso. E aguardo ansiosamente pelo momento do ano em que encherei as malas com roupas de verão, o isopor com cerveja gelada e seguirei para o litoral. Para o mineiro, ir à praia é uma emoção semelhante a das aves migratórias. A gente aguarda o ano todo por aquele momento, vai em bando e gosta de repetir os mesmos locais.
Em geral, os três mesmos locais: Guarapari, no Espírito Santo; Cabo Frio, no Rio de Janeiro; e Porto Seguro, na Bahia. Mas opções semelhantes nesses três estados também são aceitáveis. A listinha de preferidos é tão fixa que os telejornais mineiros, na alta temporada, costumam ir além das divisas estaduais e dão a previsão de tempo também para esses três municípios – afinal, muitos mineiros estarão lá.
Minas já teve mar, o que pode explicar um pouco dessa nossa obsessão. Segundo pesquisadores de duas universidades, foram encontrados indícios de que um braço de mar raso, com até 10 metros de profundidade, cobria essa região há coisa de 550 milhões de anos. Logo ali. Dá até pra ter saudade da última vez que Minas teve litoral. Com a dança dos continentes, perdemos nosso mar e ganhamos montanhas. Não que a gente reclame das últimas, mas permanecemos incansáveis em busca de um vislumbre do Atlântico.
Quem é de Belo Horizonte, que está a 450 quilômetros do pedacinho de mar mais próximo, conhece bem o ditado que se originou disso tudo: quem não tem mar vai para o bar. E assim lotamos BH com pelo menos 12 mil botecos, número que faz da cidade a capital mundial dos bares, com a maior concentração per capita de lugares para beber. No mundo. Quem diz não sou eu, mas essa matéria do NY Times.
Vai ver também é por isso que adoro a Lagoa da Pampulha, com sua água imprópria para banho, mas com aquele espelho d’água para chamar de meu. De nosso. Sonho com o dia em que a orla da Pampulha estará repleta de bares, botecos e pontos para tomar sol de frente para o mar. E, claro, com água limpa – vale investir no mercado de aluguel de guarda-sóis e cadeiras de praia na Pampulha.
Lagoa da Pampulha
A coisa ganha contornos meio inacreditáveis em outro evento tradicional de BH, que ocorre há anos na Praça da Estação. Ou Praia da Estação. Tudo começou quando um prefeito resolveu proibir eventos públicos nas praças da cidade. Foi a deixa para o nascimento da resistência, que veio acompanhada de cadeiras de praia, cangas, guarda-sóis, sungas e biquínis. Logo apareceram os vendedores de açaí, água de coco e cerveja gelada; gente jogando peteca e batendo papo entre um e outro banho de mar – que no caso eram as fontes da praça.
Tal qual a dança dos continentes, a prefeitura resolveu acabar com a praia dos mineiros e desligou as fontes, alegando que estariam estragadas. Assim chegou a era dos caminhões-pipa, afinal a praia não pode parar. Eu morei no centro de Belo Horizonte por dois anos e, graças aos desmandos do prefeito e da pequena revolução que ele causou, meu apartamento tinha vista para a Praia da Estação. Era só descer de elevador, atravessar a rua e escolher um lugar para fincar o guarda-sol. Melhor que Copacabana.
A moda praia pegou tanto que puxou outro evento nascido nas areias, digo, no concreto de Belo Horizonte: o carnaval de rua, que surgiu mais ou menos assim, entre uma cerveja e um catuçaí da Praia da Estação e que em 2017 promete arrastar 2,5 milhões de foliões – 500 mil deles serão turistas, segundo a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur). É a vingança máxima dos sem praia. Nós não apenas paramos de migrar para o litoral na época da folia. Fizemos o litoral pegar a estrada.
Carnaval de BH
Mas talvez não exista prova maior da obsessão mineira pelo mar do que a compra, por parte do Governo de Minas, de uma faixa de quase 150 quilômetros de terra, entre os municípios de Serra dos Aimorés (MG) e Mucuri (BA), em 1910. É uma faixa que sai de Minas, entra na Bahia e alcança o mar. Embora obviamente ainda seja parte do estado da Bahia, o proprietário das terras seria o estado de Minas Gerais. A compra, efetuada há mais de 100 anos, caiu no esquecimento, e foi lembrada numa matéria recente do jornal Estado de Minas.
A falta do mar não é privilégio de Minas Gerais, claro. Os vizinhos Goiás e Tocantins estão ainda mais distantes da praia – vai ver é por isso que os três estados têm tantas coisas em comum. Acre, Rondônia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul completam a lista dos sem praia, digo, dos farofeiros dispostos a correr para o mar.
A maior prova da semelhança entre mineiros e goianos está no efeito “ave migratória”. Em julho do ano passado, durante uma passagem de oito dias pela Chapada dos Veadeiros, troquei algumas palavras com o atendente de um supermercado, em Alto Paraíso de Goiás. “Conheço seu estado”, ele disse. “Já foi em BH? Nas cidades históricas?”, perguntei. “Não, conheço só de passagem mesmo. Cruzo Minas Gerais todo final de ano, quando vou com minha família para Guarapari”.
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Mineiro também sou… e de Ipatinga. E todo ano revezo Guarapari, Porto Seguro e Cabo Frio (um pouco menos, pela água congelada). E parece estar no sangue de cada mineiro.
Certamente, Natanael.
Abraço e obrigado pelo comentário.
Eu, nascida nos confins do oeste do Paraná , me identifiquei. Gosto tanto de mar que vim morar em Santa Catarina, pra ficar mais pertinho ♥
haha. Entendo bem os motivos, Cristiana.
Abraço.
Texto gostosinho de ler! Amo!
Partirei em Abril conhecer essa BH famosa. Agora vai! Terminarei minha trajetória de conhecer as capitais do Sudeste.
Seja bem-vinda, Flavia. 🙂 Espero que goste da minha cidade.
Abraço e obrigado pelo comentário.
hahahaha É sim uma obsessão, Rafael! Todos os anos, fico aflita para colocar os pés na areia, preferencialmente Capixaba. Mas, por outro lado, morar em Minas não tem preço. Excelente texto! Um abraço!
Pois é, morro de tristeza quando penso em não morar em Minas! hahaha
Ao mesmo tempo tô precisando de uma praia.
Abraço.
“Tenho pena do mar porque ele não banha Minas” autor desconhecido.
Linda a frase, Rodrigo. Não conhecia.
Abraço.
Caro conterrâneo, como muitos mineiros sou um migrante que saí de minha terra próxima a BH para o Rio de Janeiro e por sorte pude conquistar um lugar próximo ao mar. Realmente, como você falou, é quase uma obsessão mineira, gostei de sua menção ao nosso espírito de ave migratória. No entanto, tem algo mais, pois sou uma ave de arribação ao avesso, não sei ficar aqui sem me ligar na bateria de minha origem, lá recomponho meus desgastes e mantenho vivo esse orgulho mineiro que nos identifica onde quer que nos encontremos, há uma certa afinidade que nos identifica de forma bastante natural, a gente acaba se sentindo em casa com o desconhecido, como agora estou fazendo.
abcs
“Ave de arribação ao avesso”.
Muito bom, Aderbal. Concordo contigo: já morei fora do estado algumas vezes e sempre senti a mesma coisa. É um prazer enorme voltar para casa.
Abraço.
Depois de ler o texto, estou me sentindo ainda mais abençoado por morar a 1 hora de uma das praias mais lindas do Brasil: Porto de Galinhas. Mas também acho que não reclamaria nada se morasse pertinho de Ouro Preto, meu lugar preferido no Brasil.
hahaha! Depois venha conhecer minha terra, Matheus. Não tem mar, mas tem outros encantos.
Abraço.