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O que acontece em um cruzeiro gay?

Discutindo com amigas, nós concluímos que a heterossexualidade, como instituição, ruiu. Calma, ainda não chegou a Ditadura Gay: só constatamos a falência da heteronormatividade, ou seja, a determinação de que o sujeito precisa ser necessariamente de uma cor, e não um arco-íris completo. Sempre pensei em como seria uma sociedade, uma ilha, um país exclusivamente LGBTQI+. O documentário “Dream Boat”, que participou da Berlinale em 2017 e estreou na Netflix, retrata cinco dias desse meu devaneio em um Cruzeiro LGBTQI+ (que, na prática, é só G).

Deslizando pelo mar, o filme acompanha a perspectiva de cinco personagens sobre a viagem. A alegria e uma idealizada festança sem limites que acontece do lado de dentro das escotilhas. Por outro lado, em diversos momentos os protagonistas naufragam em isolamento, pressões pelo padrão de corpo saradíssimo, exigências e julgamentos dentro da comunidade. E refletem sobre preocupações comuns aos gays como envelhecer, solidão, família, amor. O longa deixa uma sensação agridoce, melancólica. Mas nem pra todo mundo é assim.

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O brasileiro Saulo Candelária, de 33 anos, participou de seu primeiro cruzeiro LGBTQI+ em julho de 2018 — e adorou. “Fiquei com medo de estar preso a um tipo de público, mas meu balanço é de que gostei de tudo. Foi uma experiência bem completa, indicaria totalmente”, diz. Ele e o marido, casados há 13 anos, saíram de Barcelona e passaram pelas Ilhas Baleares, Sicília e Malta.

Saulo recomenda que, antes de embarcar, o aspirante a marinheiro pesquise, veja vídeos dos anos anteriores, entenda o tipo de público, de música. “A melhor parte é não se sentir deslocado, tem casais mais velhos, jovens, pessoas que vão para curtir as paradas”, ressalta. “Não precisa ir a todas as festas, se estiver cansado desce pro quarto ou participa das atividades normais como cassino, espetáculos, piscina”. Quem estiver no pique, a programação não decepciona: são três festas por dia, sendo a maior delas temática, e os bares funcionando a todo vapor. A pegação, ele lembra, é liberada e acontece mesmo.

cruzeiro gay

O Marcus Lima, de 28 anos, que fez seu primeiro (e único) cruzeiro LGBTQI+ em 2013 com o namorado e amigos, já não curtiu tanto. Saindo do porto de Santos, ele passou por Paraty, Rio de Janeiro e Búzios. “Algumas pessoas estavam muito drogadas o tempo todo. Não só nas festas, até mesmo na hora do café da manhã, e isso não era legal”.

Ele voltou a participar de cruzeiros em outras oportunidades, mas dos convencionais. Considera que a melhor parte na vida embarcado são as atividades, teatros, restaurantes e visitar as cidades onde atraca, e por isso não faz questão de que seja temático. “Mas acho que foi uma experiência muito divertida, todos deveriam experimentar pelo menos uma vez”.

O que me impediu até hoje de testar a viagem temática é a impressão, confirmada pelo documentário e pelo Marcus, de que o passaporte para se sentir à vontade é um corpo sarado. Talvez a ilha gay ainda seja uma fantasia que poucos recebem convite.

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Victor Gouvêa

Meu pai sempre me disse que a melhor coisa da vida era viajar. Eu acreditei. Misturei as formações em Turismo e Jornalismo para viver de viajar e contar tudinho. Parti de uma cidadela de 30 mil habitantes para morar em SP, EUA e Alemanha, visitar mais de 40 países (e contando) e acumular as histórias mais malucas.

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5 comentários sobre o texto “O que acontece em um cruzeiro gay?

  1. O maior problema que vejo é o fato de tanto eu (H) quanto minha esposA somos bi, na verdade num estilo de vida Cuckold/Hotwife, ou seja, no que diz respeito a mulheres eu não tenho interesse algum em outras que não ela, ela tem pouco (mas existente) interesse em outras mulheres também. O que geralmente rola é eu e ela na cama com mais um, dois ou mais homens. Um cruzeiro desse seria o paraíso, mas como se comportam com casais H/M, bi? Seríamos bem aceitos? O problema é que nossa experiência no mundo LGBT+ é que existe uma bifobia incrível. Parece-nos que o B está no acrônimo só para engrossar fileiras, pois sentímo-nos SEMPRE muito discriminados, muito mais por LGs do que por héteros na verdade.!

  2. Olá, Victor, interessante reflexão, mas eu não entendi o ponto da falência da heteronormatividade… acredito que ela está vivíssima ainda sim, eu como mulher e lésbica em todas as minhas viagens experimento pitadas ardentes da sua existência. Gostaria de entender mais o que tu quis dizer com isso. Confesso que não havia ouvido falar sobre esse documentário e fiquei bastante interessada, mas no momento que li “Cruzeiro LGBTQI+ (que, na prática, é só G)” desanimei bastante… complicado dentro de uma comunidade de “minorias” o reforço constante do “macho alfa” sendo sempre o homem o centro de tudo :/

    1. Oi, Luiza! Obrigado pelo seu comentário. A heteronormatividade é muitas vezes confundida com a heterossexualidade.
      A sexualidade está viva sim, como você, e outras tantas pessoas, podem comprovar.
      A heteronormatividade simbolicamente não faz mas sentido. Fui buscar uma definição: “A prática e as instituições que legitimam a heterossexualidade e os relacionamentos heterossexuais como fundamentais e naturais dentro da sociedade.” Ou seja: é a concepção de que não há outro caminho senão a heterossexualidade. Digo que este conceito faliu porque as pessoas (principalmente mais jovens) vivem todas as cores do arco-íris e, portanto, elas existem, são possíveis.
      Talvez fosse preciso pensar caminhos para que os cruzeiros se tornassem de fato mais inclusivos, seria bem legal participar de uma viagem com toda a turma e não apenas os rapazes. Beijo, volte sempre!

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