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Pimenta do Reino ou Malagueta? A confusa história da pimenta

Minha família tem uma tradição de almoço de domingo. Depois que todos servem seus pratos, começam a disputa pela pimenta. Alguém pede para passar o tempero, o outro declara que “essa é das bravas” e quem recebe e coloca no prato reclama que não está forte assim. Tamanho é o vício e a disputa pela iguaria que por muitos anos eu não me atrevi a colocar nem uma gotinha daquela pimenta malagueta no meu prato, quanto mais tirar um dos frutos vermelhos de dentro do vidro, espremê-lo e sentir toda a ardência, dor e prazer que ele gera no paladar.

Tanto medo eu tinha dessa picância toda, que quando ainda estava aprendendo a cozinhar, me recusava a colocar até mesmo a pimenta do reino nos pratos. Só pensava: “não gosto de pimenta” e dispensava o tempero.

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Seleção de pimentas no Mercado Central de Belo Horizonte. Foto: Marco Paulo Bahia Diniz – Shutterstock

Mal sabia eu que essa minha confusão entre pimentas não se deve apenas a diferentes tipos de ardor e formas de temperar. Essas são, na verdade, plantas de espécies completamente distintas. Mas que um dia, aquele senhor conhecido como Cristóvão Colombo, resolveu colocar tudo no mesmo balaio.

A história da pimenta preta x as outras pimentas

De um lado dessa narrativa temos a pimenta preta, ou pimenta do reino, aquela em grãos secos e moídos, que também pode ser verde, branca ou vermelha. Essa pimenta é da espécie Piper negrum, nativa da Índia e que desde a Idade Antiga era muito valorizada por mercadores, trazida pelos muçulmanos para o Ocidente e considerada moeda de troca em Roma. Na época do Império Português no Oriente, 60 kg de grãos de pimenta preta valiam 52 gramas de ouro. Entre as especiarias que as navegações buscavam, certamente a pimenta estava no topo da lista.

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Planta da pimenta malagueta ou chilli. Foto: ztsaries – shutterstock

Do outro lado, temos o gênero de plantas Capsicum, que tem espécies como a do pimentão, que é a mesma da pimenta jalapeño e da caiena – essas são nativas da América Central. E ainda as espécies de plantas da malagueta (típica da América do Sul), além das de dedo de moça, calabresa e mais outros 30 tipos de frutos. Todas essas plantas teriam surgido há cerca de sete mil anos, no México Central, e se espalhado pelo continente, tornando-as algumas das plantas mais antigas domesticadas pelo homem e certamente a mais velha em cultivo na América, desde 5 mil anos antes de Cristo. Assim como era para os romanos, tinha um importante valor comercial e cultural para os maias e astecas.

Pimenta, picante, apimentado, chilli…

O comércio de especiarias com a Índia e outros países asiáticos movimentava a Europa na Idade Média. Só que em meados do século 15, os turcos-otomanos dominaram o Império Bizantino e desmantelaram as relações comerciais anteriormente estabelecidades. O resultado: o preço da pimenta do reino subiu muito. Um dos motivos de espanhóis e portugueses partirem para terras ainda não exploradas comercialmente era não só conseguir ouro, mas substitutos para suas especiarias essenciais.

Quando Cristóvão Colombo desembarcou na América, observou que os nativos consumiam bagas apimentadas que cresciam de forma abundante. O navegador percebeu ali o potencial de sucesso e escreveu para o Rei Fernando e a Rainha Isabel, em 1493, que essas “pimentas” tinham mais valor do que a do tipo comum (ou seja, que a pimenta preta) e que eram mais fáceis de conseguir: “Cinquenta caravelas podem ser carregadas todos os anos com esse produto para a Espanha”.

Pronto, a confusão estava feita. Espanha e Portugal começaram a comercializar essa “nova espécie” de pimenta para Europa, onde ela sobreviveu bem ao clima temperado, e com o tempo pratos tradicionais como os Pimientos Padrón, na Espanha, surgiram. Logo os portugueses também levaram para a Índia e para a África, onde as plantas também cresceram com facilidade e se popularizaram.

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Mesmo sendo de espécies diferentes de plantas, o termo pimenta acabou pegando como nome geral para todo o tipo de especiaria que causa ardor, sem contar o pimentão, que não é picante, mas em inglês também é chamado de pimenta (pepper). Para completar, em português, passamos a chamar automaticamente de apimentado ou picante todo o tipo de tempero que tenha ardor.

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Diversos tipos de pimenta em pó. Foto: Mauricio Alves – Shutterstock

Mas e o chilli? Bem, esse nome vem do nahuatl, idioma de origem asteca. Era a forma como os mexicanos e seus antepassados se referiam às pimentas. Acontece que os holandeses não estavam nada satisfeitos com ver sua mina de ouro comercial perder valor. Então, tentaram reforçar a diferença no nome das especiarias a partir de como os nativos a chamavam. Ou seja, só adicionaram ainda mais lenha na confusão que pode ser pedir uma pimenta hoje em dia.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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