Uma história de amor dramática. E para Shakespeare nenhum botar defeito. Eu me lembro de ter ouvido sobre Pedro e Inês de Castro pela primeira vez quando estava na escola. A expressão “Agora Inês é morta” é bastante conhecida. Mas foi morando em Portugal e viajando pelo país que aprendi detalhes e, o melhor, vi de perto alguns dos cenários que fizeram parte da trama medieval.
O Infante Pedro era o futuro rei de Portugal, filho de D. Afonso IV, o rei. Como é de praxe nas famílias reais, casamento é questão política, não romântica. Logo, ele foi obrigado a se casar com Constança Emanuel, uma nobre castelhana. Tamanha era a vontade de Pedro se casar que a primeira cerimônia de casamento dos dois foi feita por procuração, no Convento de São Francisco, em Évora. Isso, claro, gerou um conflito e três anos depois os noivos celebraram o casamento em Lisboa.
Os problemas, porém, só estavam começando. Entre as damas de companhia de Constança estava Inês de Castro, uma mulher lindíssima, filha de um poderoso fidalgo galego. O príncipe se apaixonou pela aia e ela correspondeu o sentimento. Assim, os dois iniciaram um romance nada discreto que chocou toda a corte. Se hoje em dia adultério é motivo de escândalo, imagina em 1339. Para piorar a situação e a opinião pública contrária, o Rei, D. Afonso IV, não estava nada satisfeito com a proximidade e influência dos dois irmãos galegos de Inês sob o futuro rei de Portugal, que atrapalhava muito as relações diplomáticas.
Mosteiro de Santa Clara, em Coimbra, lugar onde aconteceu toda a confusão
Para tentar acabar com o romance, quando Constança teve seu primeiro filho, D. Luís de Portugal, convidou Inês de Castro para ser madrinha. “Mas como assim?”, você deve estar pensando. Ela não tinha sangue de barata, não. Essa foi uma manobra religiosa, digamos assim. É que na época, a relação entre madrinhas e padrinhos com os pais da criança criava um parentesco moral, ou seja, seria praticamente um incesto o relacionamento do príncipe com a aia.
Só que o D. Luís morreu em uma semana, o que aumentou ainda mais a central da boataria portuguesa medieval e permitiu que o romance adúltero continuasse. Por fim, o Rei cansou do falatório e, em 1344, exilou Inês de Castro em Albuquerque, na fronteira da Espanha. Ele achou que finalmente teria paz na vida.
Por reviravolta do destino ou desgosto, como diria o povo, Constança Emanuel morreu um ano depois, ao dar à luz ao segundo filho, D. Fernando de Portugal. O infante Pedro nem esperou a mulher esfriar no caixão (exagero da autora) e já mandou trazer Inês de Castro de volta, para a revolta do Rei. E onde os dois foram morar? Em Coimbra, num palácio perto do Mosteiro de Santa Clara – hoje, Santa Clara, a Velha -, em frente ao Rio Mondego, construído pela avó de Pedro, a Santa Rainha Isabel (ela era santa mesmo, não estou exagerando).
O romance ia muito bem, obrigado, enquanto Portugal e o resto da Europa conviviam com problemas tipo a peste negra. De 1346 a 1354, Inês teve quatro filhos de Pedro, que se recusava a se casar com outra nobre, sob o pretexto de que ainda sofria com a morte da esposa, Constança.
O filhos ilegítimos de Inês eram claramente uma ameaça ao herdeiro legítimo ao trono, D. Fernando. Corria na boca pequena o boato de que a família Castro conspirava para assassiná-lo. Mas não foi ele quem terminou morto. Em 1355, o Rei D. Afonso IV, cedeu à pressão dos fidalgos portugueses e mandou matar Inês de Castro.
No dia 7 de janeiro de 1355, aproveitando que Pedro estava viajando numa caçada, três homens – Pêro Coelho, Álvaro Gonçalves e Diogo Lopes Pacheco – emboscaram Inês nos jardins onde ela e Pedro costumavam se encontrar, a Quinta dos Amores, e assassinaram a mulher friamente.
A Fonte dos Amores, em Coimbra
As lágrimas derramadas por ela teriam criado uma fonte, a Quinta das Lágrimas, e o sangue que escorreu ficou marcado ali até hoje, em algas vermelhas. Seu corpo foi enterrado na Igreja de Santa Clara.
Deu para ver o vermelho aí?
Agora, Inês é morta!
Quando Pedro voltou da caça e descobriu o que seu pai fez, a coisa ficou feia. Pai e filho entraram num conflito armado que durou meses, até que a intervenção da Rainha selou a paz entre os dois. Dois anos depois, D. Afonso IV morreu e D. Pedro I foi coroado como o oitavo rei de Portugal. Lembram da paz? Pois é, acabou a paz, chegou a hora da vingança.
D. Pedro I* mandou caçar os três homens que mataram sua amada. Encontrou dois deles e os assassinou, mandando que arrancassem o coração de um pelo peito e o de outro pelas costas, enquanto assistia e banqueteava. Mas essa nem foi a principal parte de sua vingança. O rei também afirmou que havia se casado secretamente com Inês de Castro, num dia que não lembrava. A palavra do capelão e o do criado selaram a legalidade do casamento, o que significava que D. Inês era uma rainha póstuma e deveria ser tratada como tal.
O novo Rei mandou construir túmulos magníficos no Convento de Alcobaça, com as sepulturas uma de frente para outra, de forma que, quando despertassem para o dia do juízo final, pudessem se olhar frente a frente. Mas não foi só isso, pelo menos é o que reza a lenda. Antes de colocar o corpo de D. Inês no novo túmulo, D. Pedro I teria colocado o cadáver da amada no trono e obrigado a nobreza portuguesa (sob pena de morte) a realizar a cerimônia de beija mão a Rainha morta.
Túmulos de D. Inês e D. Pedro I, no Mosteiro de Alcobaça. Crédito: SaraPCNeves, Domínio Público
Se algum dia vocês virem uma cena dessas em Game of Thrones, já sabem de onde veio a inspiração.
Ah, depois de Inês de Castro, D. Pedro I ainda teve outro filho ilegítimo e a história desse bastardo também é bem maravilhosa. Contei tudo aqui.
*Não confundam o D. Pedro I dessa história com o D. Pedro I da história do Brasil. Apesar dos dois terem amantes famosas, além da grande diferença de datas, o “nosso” D. Pedro I é considerado D. Pedro IV em Portugal.
Visite a história de Pedro e Inês, em Portugal:
Mosteiro de Santa Clara a Velha
Endereço: Rua das Parreiras – Santa Clara, Coimbra
Horários: Verão – 10h às 19h (última entrada 18:15)
Inverno – 10h às 17h (última entrada 16:30)
Entrada: 5 euros
Dica: Vale a pena ver o filme sobre a história do convento antes de fazer a visita
Quinta das Lágrimas
A Quinta das Lágrimas e a Fonte dos Amores ficam dentro de área de um hotel chamado Quinta das Lagrimas.
Endereço: Rua António Augusto Gonçalves – Santa Clara, Coimbra
Horários: Verão – De Terça a Domingo, das 10h às 19h
Inverno (encerra em Janeiro) – De Quinta a Domingo, das 10h às 17h
Entrada: 2,50 euros
Mosteiro de Alcobaça
Foto: Luismarques2 – Domínio Público
Endereço: Alcobaça, Portugal
Horários: Verão – Das 09h às 19h (última entrada 18h30)
Inverno – Das 09h às 17h (última entrada 16h30)
Entrada: 6 euros
Dica: Muita gente combina a visita ao Mosteiro de Alcobaça ao Convento de Cristo, em Tomar e o Mosteiro de Batalha.
Vai viajar? O Seguro de Viagem é obrigatório em Portugal e pode ser exigido na hora da imigração. Além disso, é importante em qualquer viagem. Veja como conseguir o seguro por menos de 2 euros por dia!
Você já viu a história de Dom Sebastião de Portugal, o rei que sumiu veja.
Ha varias fontes que aludem a heranca judaica de Ines de Castro. Entretanto, esta possibilidade `e omitida nesta postagem. Que Ines seja galega nao preclude a possibilidade de raizes semiticas, como a historia de minha propria familia atesta. Se no caso de Ines, isto `e um mito, seria interessante ler sobre isto, A historia iberica, quase sempre omite referances a presenca de judeus nas arvores genealogicas de no nobres ou proletarios. Isto, como diz um escritor brasileiro, seria uma forma de “genealogicidio.” In a world where there is yet a new wave of of antisemitism, facts matter.
Olá,
Obrigada por comentar. Tem alguns texto sobre a história dos judeus em Portugal. Não deixe de ler: https://www.360meridianos.com/especial/alheira-judeus-inquisicao-em-portugal
Luiza, eu já conhecia esta história porque, em visita a Portugal, estivemos em Alcobaça e visitamos o mosteiro, bem como os túmulos dos dois, esculpidos em mármore… belíssimos ! Inclusive, nos chamou a atenção a posição dos túmulos, um em frente ao outro, justificando a história. O que não conseguimos saber é se os três homens, também esculpidos em mármore, que sustentam o túmulo de Inês de Castro, eram os três que a mataram. Ficamos desconfiados disso, pois seria um complemento da vingança de Pedro I. Você saberia nos dizer ?
Oi Edna,
Não sei te responder essa pergunta! Infelizmente.
Ouvi dizer que Reis de Portugal sempre foram pródigos em arrancar corações de seus desafetos ou traidores.
Ouvi relatos de eles mordiam os corações ainda pulsando.
Não me lembro onde ouvi essas histórias, mas o que importa? Agora a Inês é morta.
Gostei muito da narração desta história, vejo que Luiza Antunes, além de viajar muito, ainda dá aulas de história de maneira humorada e muito objetiva. Quero parabenizá-la porque me sentí mais enriquecido nos conhecimentos de história, ainda mais agora, que fui convidado a ser palestrante sôbre história.
obrigada Károly
Uma curiosidade. No texto diz que 2 foram mortos e vingados e o terceiro?
Fugiu!
Gostaria de saber se tenho algum parente aí em Portugal.
Tenho a certidão de nascimento de meu avô que é nascido em Vila Nova de Gaia. Meu avô Manoel de Oliveira Ramos .
Devo terprimas já com seus 60 ou 70 anos.
Oi Sidineia,
Você tem que procurar alguém que trabalhe nessa área de cidadania para fazer essa pesquisa para você
MEU VO É FRANCISCO JOSE DE CASTRO. ME FALOU UM DIA QUANDO CRIANÇA QUE ERAMOS DECENDENTE DE INES DE CASTRO .
Oi Ricardo,
Como ela morreu há tantos e tantos anos, não é fácil saber se sua linha vem dela, mas é possível que sim