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Piratas, rebeliões e história em Florianópolis

Francisco foi acordado por piratas. Ele não estava dormindo num navio, mas na cama de casa, localizada em Nossa Senhora do Desterro, um povoado no litoral do Brasil. Era 1687. O bandeirante Francisco Dias Velho tinha saído de São Paulo cerca de 20 anos antes, com ordens  da Coroa para povoar o sul do Brasil. Após localizar uma ilha no litoral de Santa Catarina, Dias Velho – na época nem tão velho assim – fundou o povoado. Você nunca ouviu falar disso? É que hoje Nossa Senhora do Desterro tem outro nome: Florianópolis.

Dias Velho fundou Floripa. Na última noite da vida, ele despertou assustado e percebeu que alguém tinha invadido a casa onde morava com a família. Tentou reagir. Apanhou. Viu sua mulher gritar, sentiu o cheiro de fumaça e percebeu que a vila pegava fogo. Engasgando com o pó, a dor e a raiva, Francisco foi retirado de casa pelos piratas.  Não sem antes ouvir os gritos das três filhas, que eram estupradas pelos invasores.

“A prata!”, gritavam eles. Mas não tinha prata nenhuma ali. O chefe do povoado foi conduzido para a capela que ele mesmo tinha construído. A última coisa que Dias Velho ouviu foi o disparo de um revólver. O fundador de Florianópolis morreu na igreja do povoado que ele mesmo construiu, assassinado por piratas.

Francisco Dias Velho

Estátua de Francisco Dias velho, em Florianópolis (Foto: Vilnius, Wikimedia Commons)

Os piratas não invadiram Nossa Senhora do Desterro por acaso. Um ano antes, outro navio tinha desembarcado lá. O navio estava carregado com prata, um enorme roubo feito no Peru. Dias Velho viu e, junto com os moradores de Nossa Senhora do Desterro, atacou os piratas, que fugiram. Mas a prata ficou no Brasil e foi enviada para São Paulo. Foi essa prata que os piratas resolveram buscar, meses depois. Essa prata e vingança.

“Tá, mas o que isso tem de turístico?”, você pode dizer. Tudo. Viajar é sair de casa para conhecer novos lugares, e isso necessariamente passa pela história do lugar visitado. Imaginar que pessoas viveram, se casaram, trabalharam, sofreram e morreram em determinado lugar faz parte do aprendizado do viajante. É por isso que visitar o Coliseu é tão impactante. É por isso que nós quase choramos quando estivemos no Panteão, também em Roma.

Um dos maiores erros do viajante brasileiro é achar que nosso país não tem história. Visitamos ruínas romanas, pirâmides egípcias e castelos medievais e lamentamos profundamente que nossa terra seja rica em praias, mas pobre em eventos marcantes. Tudo bem, o Brasil acabou de entrar na vida adulta enquanto a Europa é uma senhora, mas isso não significa que o brasileiro tem que passar todo período de férias deitado na praia. E muito menos que uma cidade de praia não tem mais nada de interessante além da faixa de areia banhada pelo Atlântico. Para exemplificar, basta pensarmos em Florianópolis.

Florianópolis, Santa Catarina

Florianópolis é sonho de consumo para turistas brasileiros. Eles querem conhecer as dezenas de praias da capital catarinense e passar alguns dias relaxando por lá. Argentinos e uruguaios também são presença constante em Floripa – há gringo que passa pela cidade e decide não voltar pra casa. Você vai encontrar vários assim, gente que leva a vida numa boa, trabalhando em algum quiosque de frente para o mar. Mesmo que conhecer cada praia de Floripa seja um baita objetivo, a cidade oferece mais: história.

Leia também: As principais atrações turísticas de Florianópolis

Agora, reflita sobre tudo que já se passou por ali. Os piratas desembarcaram na praia de Canasvieiras. Há cerca de 300 anos, baús cheios de prata foram colocados na mesma faixa de areia que hoje recebe banhistas. Que hoje recebe você.  A antiga vila de Nossa Senhora do Desterro foi construída na área onde hoje fica a Praça 15 de Novembro, o centro de Floripa. A Igreja onde Dias Velho foi assassinado por piratas ficava exatamente no mesmo local onde hoje fica a Catedral Metropolitana de Florianópolis, outro ponto obrigatório para conhecer na cidade.

igreja de florianopolis

Já seria muito, mas a história de Floripa é mais valiosa que aquela prata. A começar pelo atual nome da cidade, uma homenagem a Floriano Peixoto, segundo presidente do Brasil. Por que Floriano foi homenageado com o nome de uma capital do Brasil?

A)     Ele nasceu na cidade

B)      Pelo papel desempenhado por ele na Proclamação da República

C)      Florianópolis é um nome melhor que Desterro, como a cidade era chamada antes

D)    Porque rebeldes tomaram Desterro, que foi declarada capital de um Brasil independente do restante. Eles exigiam a saída de Floriano do governo.

Tempo para pensar.

Parabéns para você que marcou D.

Vice-presidente, Floriano Peixoto assumiu a presidência depois da renúncia de Deodoro da Fonseca, que foi eleito, mas só governou o Brasil por meses. A Constituição de 1891 determinava que se o presidente morresse ou renunciasse nos dois primeiros anos do mandato o vice assumiria o comando do país, mas que novas eleições deveriam se convocadas. Floriano rasgou a Constituição e não convocou eleições.

Rebeliões sugiram por todo o país, inclusive a Revolta da Armada. Militares da marinha tomaram a antiga vila de Desterro. Floriano encomendou novos navios de guerra da Inglaterra e atacou a cidade. As praias da Ilha de Santa Catarina – onde fica a maior parte de Floripa – testemunharam bombardeios e uma verdadeira guerra. Foi ali que um navio usou um torpedo pela terceira vez na  sangrenta história humana, selando a derrota e o destino dos rebeldes.

Destruídos, os rebeldes tentaram fugir, mas as mãos do Marechal de Ferro trataram de punir a todos, inclusive gente comum, que simplesmente tinha se rendido quando os revolucionários tomaram a ilha. Eles foram presos e mortos na Fortaleza Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim, que fica ali perto. Numa tentativa de diminuir a ira do presidente, políticos locais sugeriram que o nome da cidade fosse alterado para Florianópolis. Afinal de contas, Desterro não era exatamente um nome bacana. Desterrado é aquele sujeito que enviado para o exílio, o que, inclusive, Floriano fez com muita gente.

Floriano peixoto_1881

Floriano, em 1881. Ele era de Maceió e passou longe de ser um manezinho da ilha.

Como todas as cidades brasileiras, Floripa está cheia de história. Basta ler e não se esquecer disso durante uma viagem para lá – te garanto que o passeio fica muito mais interessante quando conhecemos alguma coisa sobre a formação do local.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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13 comentários sobre o texto “Piratas, rebeliões e história em Florianópolis

  1. Excelente relato Rafael ! Parabéns. Sou uruguaio, moro em SC faz 17 anos, Guia de Turismo Regional, nacional e internal. Muitos ignoram tantas verdades históricas, o ruim das atitudes de Floriano, as maravilhosas lendas de bruxas e fatos dos piratas…as rendeiras e tanta beleza natural , com a dor da ponte ruindo a os engarrafamentos afugentando turistas…
    A Ilha naturalmente e maravilhosa, e sua historia também… E, para nos, gringos são só os norteamericanos , os extrangeiros da américa do s ul são irmãos e os reconhecemos pelo seu pais. Abraco !!!

  2. EU CHAMO A NOSSA CIDADE DE DESTERRO. A DENOMINAÇÃO FLORIANÓPOLIS É UMA USURPAÇÃO E FLORIPA É UMA CORRUPTELA IDIOTA, CRIADA POR UM IMBECIL, DE UM NOME QUE NÓS, MANÉS,NÃO GOSTAMOS!!!

  3. Sabemos tão pouco sobre nossa história, não é verdade? viajar é uma boa desculpa para (re)descobri-la e blogar um exercício de estudo constante. Parabéns pelo post. Estou indo a Floripa neste FdS, depois de quase 10 anos… Convido o 360 a visitar o Mulher Casada Viaja daqui umas semanas para ler sobre minhas descobertas. Abraços!

  4. Olá, Rafael. Grato. Poderias indicar-me algumas fontes a pesquisar piratas e mais detalhes sobre a história de Francisco Dias Velho. Vou seguido a Florianópolis pesquisar sobre a passagem de D. Pedro I em 1826 e também sobre o Projeto Fortalezas Multimídia da UFSC, já que minha cidade – Torres/RS – possuiu 2 fortes. Sou jornalista e pesquisador com 3 livros editados sobre a História de minha região. Meu próximo livro será sobre Piratas, Naufrágios e Canibalismo nos mares do Sul (de Santa Catarina até Rio Grande/Sao José do Norte. Aguardo tuas informações e abraços.

    1. Oi, Nelson. Muito interessante seu trabalho. Indica os nomes dos livros depois, por favor.

      Infelizmente não consigo te ajudar mais. Todas as informações que tenho usei para fazer o texto e estão nele. 🙂

      Abraço e boa sorte.

  5. Pesquiso sobre a presença de piratas nos mares do Sul, de Santa Catarina ao Rio da Prata. Quem tiver interesse ou quiser trocar informações, favor entrar em contato comigo. Grato, Nelson Adams Filho/Torres – Rio Grande do Sul

    1. Olá Nelson,

      Também gosto deste assunto, leio e procuro informações. Tens conhecimento do navio que encalhou na praia do Barco próx. de Capão da Canoa?? Sua história é muito interessante, dizem que ocorreu porque fugiam de piratas (?) Tens alguma sugestão de livro que trate deste assunto?? Um forte abraço,

      Gilmar

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