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Tradições da Universidade de Coimbra: as tunas acadêmicas e as Mondeguinas

Desde que me mudei para Coimbra, uma leitora do blog, a Bia Coelho, sempre foi a maior entusiasta e comentarista de tudo o que posto sobre a cidade. Nos conhecemos no ano passado e a Bia, que também tem um blog, o Fazendo Escala, escreveu um post sobre uma das tradições acadêmicas mais legais aqui de Portugal, as tunas!

Sempre fui apaixonada por Coimbra (decidi aos 6 anos de idade que iria estudar lá), por isso cada pedacinho da história dessa academia me fascina. Quando comecei a pesquisar mais sobre as tradições da Universidade de Coimbra (UC), não cheguei a descobrir as tunas, mas logo que cheguei a Coimbra disse a uma de minhas colegas de casa que eu tocava violino e queria saber se existia algum grupo musical na universidade em que eu pudesse ingressar. Ela prontamente me falou que participava de uma tuna.

“Tuna? É tipo uma banda?” “Não exatamente.” “É um coral?” “Também não… É um grupo de estudantes, só meninas, que cantam músicas portuguesas.” “Ok, é um conjunto. Tem regente e tal? Tem orquestra acompanhando?” “Não… Vens ao próximo ensaio comigo que vais entender melhor.”

E foi assim que conheci as Mondeguinas – Tuna Feminina da Universidade de Coimbra. Posso falar? Foi a MELHOR coisa que me aconteceu em Coimbra. Com elas vivi experiências incríveis, viajei muuuito pelo país inteiro, descobri coisas fantásticas sobre a tradição acadêmica, aprendi muito sobre música, amizade, companheirismo e superação. As Mondeguinas são até hoje uma parte importante e ativa da minha história. E hoje tenho o maior prazer de dividir um pouco desse amor com vocês.

Mondeguinas universidade de coimbra portugal

Foto comemorativa dos 10 anos, 2003

A Universidade de Coimbra é uma das mais antigas da Europa, fundada em 1290, o que é um motivo de grande orgulho para seus estudantes, que mantém vivas suas tradições até hoje. Mesmo assim, a tradição musical como a conhecemos na UC remonta a um passado bem mais recente. As primeiras formações de estudantes com características de tuna em Coimbra datam do séc. XIX, mas vários grupos são formados, desfeitos e transformados ano após ano. Grupos que cantam música tradicional portuguesa e temas originais. Algumas atualmente até se arriscam em temas brasileiros, mas sempre trazendo um toque tipicamente português, seja no arranjo, seja nas vozes.

Originalmente formadas apenas por estudantes homens, as tunas foram se transformando ao longo do tempo e aceitando meninas. Mesmo assim, até 1991 não existia nenhuma tuna exclusivamente feminina na mais antiga universidade do país. Foi então que algumas estudantes se juntaram e formaram a Tuninha, que acabou sendo alvo de muitas críticas e não vingou.

Entretanto, algumas integrantes se mantiveram firmes no propósito de constituir um grupo feminino e vencer todos os obstáculos que uma academia majoritariamente machista impunha. E assim nascemos nós, as Mondeguinas, homenageando as ninfas do Mondego, imortalizadas por Camões em Os Lusíadas, que com seu canto inspiraram bravos lusitanos e prantearam por Inês de Castro.

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Primeira atuação das Mondeguinas, Escadas de São Tiago – Coimbra, 1993

Desde 2006, com um malmequer na orelha, um instrumento na mão e um sorriso largo no rosto, segui com as mondeguinas por Coimbra entre festivais, jantares, batismo, viagens e assembleias. Vou explicar melhor.

Em primeiro lugar preciso falar de algo que está sempre presente: o malmequer. Não é desde sempre que as mondeguinas se apresentam com um malmequer na orelha. Tudo começou despretensiosamente, quando um dia elas resolveram apanhar flores num jardim só porque sim. No primeiro festival organizado pelas mondeguinas, chamado Canto da Sereia, foram feitos malmequeres para colocar na lapela de cada participante. Então repararam que em palco o efeito visual do malmequer na orelha fica lindo, e adotaram de vez! Desde então virou nossa marca registrada, onde tem malmequer tem uma mondeguina. ☺  Outra marca registrada é a cera na capa, apenas para as que são aprovadas no batismo. Ok, vamos com calma.

Existe uma hierarquia nas Mondeguinas, típica de grupos acadêmicos. Assim como na universidade, entramos calouras na tuna, passando por um período de adaptação, interação, aprendizado de instrumentos e das músicas etc. Nas Mondeguinas há uma subdivisão para as calouras, as sílfides e as ondinas.

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Meu primeiro jantar como caloura, 2006, depois de comer sem talheres e de olhos vendados. É, nossa vida não é fácil…

Sílfide é um ser mitológico do ar, que vagueia pelos ares. Para nós, representa aquela caloura que acabou de entrar na tuna e ainda anda meio voando, perdida, procurando terra firme onde se encontrar. É o momento de descobrir que instrumento gosta, a que naipe pertence, de aprender as músicas e se habituar com nossa rotina de ensaios e saídas.

As sílfides já acompanham o grupo em todos os eventos mondeguínicos, mas ainda não sobem a palco nas apresentações. Entre outras responsabilidades, as calouras carregam os instrumentos e nos servem a comida, por exemplo, porque alguma vantagem temos que ter. Ah, e sempre comem com as mãos e de olhos vendados nos jantares anuais. Porque sim.

Assim que encontra seu lugar nas Mondeguinas, essa caloura passa por uma avaliação na assembléia anual, que acontece sempre no mês de abril, para ser votada a ondina, segundo passo na hierarquia, mas ainda caloura. Ondina é o ser mitológico que paira sobre as águas. Para nós, ninfas do Mondego, representa aquela caloura que já se aproxima das águas do rio, que já não anda mais no ar, está crescendo no grupo, convivendo, se tornando também uma ninfa. Entre as calouras não há hierarquia, as ondinas não são superiores às sílfides.

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Sarau da Queima das Fitas, minha primeira atuação como ondina, 2007

Aí vem uma assembléia tensa: a de aprovação para Mondeguina. Para ser uma ninfa do rio Mondego é preciso haver unanimidade na votação, todas as mondeguinas devem votar sim, sem ninguém ser contra ou se abster. Imagina o medinho? Porque pode ser que uma mondeguina ache que você tem potencial, mas ainda não está pronta para passar. Eu fiquei super nervosa na minha assembleia!

As Mondeguinas são uma tuna da Universidade de Coimbra, grupos tradicionalmente portugueses, onde raramente se vê algum estudante estrangeiro. Já tivemos calouras estrangeiras, mas desde que entrei tinha receio de não ser aprovada por ser brasileira (o que elas SEMPRE repreendiam, porque não fazia sentido nenhum, era preconceito meu). Sei lá, a gente tenta justificar possíveis fracassos de forma bizarra, né?

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Jantar anual 2009. Aquele momento quando você não sabe se come, bebe, tira foto, conversa, toca ou canta. Ou tudo ao mesmo tempo!

Enfim, eu não tinha motivo para tanta preocupação. EU SOU MONDEGUINA!! Foi assim que saí gritando da sala da assembleia. kkkk Uma alegria que não cabia em mim e foi compartilhada com as outras duas mondeguinas aprovadas nesse ano. Aliás, um ano de 100% de aprovação, para ser mais lindo ainda!

Considerado o mais alto grau da hierarquia entre as ativas, mondeguinas são superiores às calouras e estas sofrem trotes como em qualquer instituição que tenha calouros. Somos contra o abuso, a violência e a humilhação. Nossos trotes são principalmente para delimitar uma relação de respeito entre as mais velhas e as mais novas (e pra zoar um pouquinho também, né, porque ninguém é de ferro).

mondeguinas

Vegeta, Bia do Rio e Mexicana. As novas Mondeguinas vestidas a caráter no jantar anual, 2009.

Há um ritual de passagem de ondina para mondeguina, que chamamos de Batismo. O local e a cerimônia do batismo é um segredo guardado a sete chaves. Somente quem passa por ele sabe como é. Nem as fotos são divulgadas. É conduzido pela Mondonga-mor (líder da praxe entre as Mondeguinas, geralmente a mais antiga entre as ativas, escolhida anualmente. A atual Mondonga-mor elege sua sucessora). Posso só dizer uma coisa: é lindo e muuuuuito emocionante!

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Eu e minha madrinha, depois do Batismo, 2009. Só posso dizer que voltamos com essa coroa de malmequeres, cera de vela na capa e olhos brilhando de felicidade.

Por último, existem as sereias, seres mitológicos que dominam todas as águas. As que mandam nas outras todas, a quem todas devem respeito. As top da balada, kkk! Grau de hierarquia que designa as mondeguinas que terminam o curso e deixam a universidade. Sendo sereia é possível continuar participando dos ensaios e atuações sempre que quiser, mas já não tem as “obrigações” do grupo. Nós, como antigos elementos da tuna, prezamos muito pelo bom convívio com as mais novas e procuramos sempre nos encontrar nos eventos mais emblemáticos, como jantar anual, sarau de gala, Canto da Sereia e outros momentos, sempre que possível.

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Fazendo o sabemos melhor: espalhar música pelos quatro cantos de Portugal. III Festival Serenatas ao Berço – Guimarães, 2009

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Premiadas no VIII Festival De Capa e Saia – Évora, 2009.

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Mondeguinas, 2011

De todas as tradições acadêmicas que vivenciei, desde a Latada até o Rasganço, estar em uma tuna foi das mais emocionantes, que me fez sentir MESMO parte de uma universidade que sempre morou no meu coração. Por isso convido todos vocês que um dia passarem por Coimbra, seja a passeio ou para estudar, que procurem pelo menos assistir uma atuação de alguma tuna. São pessoas que mantém viva a história de uma academia. E as mondeguinas são, definitivamente, uma parte linda da minha história. 🙂

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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4 comentários sobre o texto “Tradições da Universidade de Coimbra: as tunas acadêmicas e as Mondeguinas

  1. Li com prazer o texto da “Mondeguina”. Já assisti a algumas atuações de muitas tunas, incluindo a vossa. Parabéns e felicidades para TODAS!
    Se quiserem conhecer como entrou a música na Universidade de Coimbra, desde a fundação da universidade portuguesa, em 1290, e se manteve até 1936, sem interregnos, podem consultar a obra intitulada “Da Música na Universidade de Coimbra (1537-2007). Das Artes Liberais aos Estudos Artísticos” (2015), que está disponível na Biblioteca Geral da mesma universidade.

  2. Oiii! Queria saber se quando você se inscreveu para estudar em Coimbra, a resposta da Universidade demorou muito?
    Me inscrevi a quase 1 mês e ainda não obtive resposta!

    1. Oi Isabela,

      Você se inscreveu fora de época. Não sei quanto tempo demora nesses casos. Eu me inscrevi em abril e o resultado saiu em maio.

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