George Sand, a escritora francesa que ousava usar calças

“Devemos permanecer assim. Não aprenda minha língua e eu não deverei procurar, na sua, palavras para expressar minhas dúvidas e medos.”

Foi isso que George Sand escreveu para seu amante italiano. Conheceu-o em Veneza e, de volta em casa, em Paris, quis manter as memórias do affair no campo do completo desconhecimento da língua e costumes do outro. E não faltaram amantes e viagens na vida dessa mulher, que foi uma das escritoras francesas mais populares do século 19, na época, mais famosa até que Victor Hugo.

Sobre ela, o autor de “Os Miseráveis” escreveu uma carta, que foi lida no funeral da escritora, em 1876:

“George Sand era uma ideia. Ela ocupa um lugar único em nossa era. Outros são grandes homens… ela foi uma grande mulher. […] Eu choro uma morte e saúdo uma imortal.”.

Na carta, Hugo também fala da importância de Sand para demonstrar à sociedade a possibilidade da igualdade entre homens e mulheres e como ela foi notável em tudo o que fez.

George_Sand em 1835

Sand em 1835

Leia todos os textos da série Grandes Viajantes

George Sand escreveu 60 livros e 25 peças de teatro ao longo de sua vida, além de duas autobiografias e mais de 40 mil cartas – como a que abre este texto – que foram compiladas e publicadas em 25 volumes. Foi a primeira mulher a trabalhar como jornalista no Le Figaró. O nome George Sand era um pseudônimo que tornou-se sua marca. Afinal, usar seu nome de batismo, Amantine Lucile Aurore Dupin, significaria que ninguém leria ou respeitaria suas obras. A inspiração veio do nome de Jules Sandeau, um dos seus amantes e com quem ela escreveu seu primeiro livro em conjunto, em 1831, e assinaram como “J. Sand”. No ano seguinte, para publicar seu primeiro livro independente, Indiana, Amantine passou a assinar e usar no dia a dia o nome George Sand.

“Eu escolhi o nome George rapidamente, sem muita pesquisa, […] o que é um nome neste nosso revolucionado e revolucionário mundo? Um número para aqueles não fazem nada, um sinal ou um uniforme para aqueles que trabalham ou lutam. O fiz eu mesma, com meu esforço”

O nome não era a única coisa controversa sobre Sand. Na infância, filha de um nobre com uma “mulher comum”, teve a guarda disputada entre a avó e a mãe. Criada por muitos anos na propriedade da avó, em Nohant, teve uma educação bastante livre, com seu tutor a incentivando não só intelectualmente, como também seu comportamento desafiador: a vestir roupas masculinas para cavalgar e fazer atividades práticas. Ela trouxe o costume para a vida adulta.

caricatura sobre george sand

Enquanto as mulheres da mesma posição social que ela vestiam-se com espartilhos, saias e anáguas, Sand preferia a simplicidade das calças e camisas, que também eram infinitamente mais baratas e práticas e ainda permitiam que ela viajasse com mais facilidade e entrasse em círculos da sociedade francesa que estaria proibida de conhecer se usasse um vestido.

Uma curiosidade: desde 1800, existia em Paris uma lei que proibia mulheres de usarem roupas “masculinas” em público. E quem quisesse fazer isso precisava se registrar na prefeitura e explicar o motivo de saúde que exigia a mudança no guarda-roupa. George Sand obviamente se recusou a fazer tal registro. Ela também chocava a sociedade e era motivo de charges irônicas porque tinha a audácia de fumar em público. A lei existiu em Paris até 2013.

Antes de iniciar sua carreira literária, Sand, na época ainda Amadine, se casou com um barão aos 18 anos e teve dois filhos, Maurice e Solange – a menina provavelmente foi fruto de um caso extraconjugal. A união infeliz durou nove anos, quando ela anunciou para o esposo que estava o deixando, e também os filhos, para seguir a carreira de escritora (alguns anos mais tarde ela mandou buscar os filhos).

Em Paris, além de seu enorme talento e produção contínua, também circulava entre os principais locais artísticos da época e teve diversos casos amorosos com alguns dos escritores, músicos, pintores e poetas mais famosos da período, como Gustave Flaubert, o compositor Chopin, a atriz Marie Dorval e o poeta Alfred de Musset.

Com Chopin, ela viajou para Palma de Maiorca, na Espanha, levando também os dois filhos. O objetivo da jornada era tratar da tuberculose do pianista. A viagem e a estadia na ilha revelaram-se uma grande desventura: foram expulsos da primeira casa que estiveram porque o dono ficou com medo da doença de Chopin. Depois, instalaram-se num belo prédio de um antigo convento. Porém, o mau tempo do inverno na ilha espanhola fez com que a saúde de Chopin piorasse. Partiram, ainda circulando por Barcelona e Marselha até voltarem para a propriedade de Sand em Nohant.

Chopin e Sand por Delacroix

Chopin e Sand pintados por Eugene Delacroix

Ali, viveram juntos de 1839 a 1846, onde Chopin compôs muitos trabalhos. Mas ele também não gostava das constantes visitas e vida movimentada de George. A relação azedou de vez por volta de 1845, quando a saúde de Chopin piorou muito e Sand publicou o livro Lucrezia Floriani, cujos protagonistas são uma atriz rica e um príncipe de saúde frágil, uma história com muitos paralelos com o romance da vida real. Os dois romperam de vez em 1847 e Sand foi uma notável ausência no funeral do compositor.

george sand gravura
George Sand (1804-1876), lithografia de J. Boilin. Por Everett Historical / Shutterstock

Seus livros, apesar de serem de ficção, falam muito das experiências da mulher, casamento, igualdade de gênero, amor, e claro, suas aventuras românticas e sexuais. Além da literatura e da vida social intensa, George Sand também era ativa na vida política: socialista, cronista e ativista na Revolução de 1848, que iniciou o período da Segunda República Francesa.

Apesar da quantidade de textos e cartas muito honestas que escreveu permitirem ter uma visão bem clara sobre a sua vida, George Sand era tão polêmica que não é difícil ler sobre ela com um grande exagero do que de fato era. Por mais que lutasse pela igualdade de gêneros, não era, na época, feminista. Como apontou Belinda Jack para o New York Times, enquanto uma vasta produção literária de autores como Honoré de Balzac era considerada fenomenal, Sand era motivo de piada por escrever tanto. Ao mesmo tempo que quebrava o molde do que era esperado de uma mulher, também sabia exatamente exercer as habilidades esperadas pela sociedade: Ela pintava, bordava, fazia geleias e cuidava da vida doméstica: educou os filhos e esteve ativamente envolvida na vida dos netos.

George Sand retrato em 1894

George Sand retrato de 1864

Viveu mais do que todos os seus contemporâneos, até os 80 anos de idade, na propriedade em que cresceu e herdou da avó.

Como conhecer mais sobre a vida e obra de George Sand

Musée de la Vie Romantique, em Paris, conta com uma exposição permanente das pinturas e obras de Sand, com um andar inteiro dedicado ao trabalho da escritora, incluindo retratos da família, joias, memorabilia e cartas.

Nohant propriedade de George Sand na Franca

Nohant, a propriedade histórica onde Sand cresceu e anos mais tarde veio a falecer, também é aberta a visitação. É possível visitar a mansão, a biblioteca e o pequeno cemitério onde está o túmulo de George. Fica no centro da França, próxima a Bourges, a 290 km de Paris.

palma de maiorca convento

Valldemossa. Por Boris Stroujko / Shutterstock

No Monastério de Valldemossa, em Maiorca, na Espanha, é possível visitar o antigo convento que foi a casa de George Sand e Chopin durante os três meses de inverno. Apesar da comunidade que vivia ali ter detestado o casal de costumes tão estranhos, hoje sua fama serve para o turismo.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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7 comentários sobre o texto “George Sand, a escritora francesa que ousava usar calças

  1. Muito interessante!
    Não conhecia a história fantástica dessa mulher.
    Na minha próxima ida a Paris, quero conhecer o museu ” da vida romântica ”
    Parabéns pela matéria, Luíza.

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