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Atlas: Rouen, França

O dia em que Joana d’Arc foi queimada

Ela tinha 19 anos, fora capturada pelos inimigos do Rei e julgada por homens que se diziam fiéis a Deus, mas que eram aliados aos ingleses. Duas décadas depois de arder numa fogueira na antiga Praça do Mercado, em Rouen, cidade em que estivera presa por cerca de um ano, foi perdoada pelo Papa. Mas Joana d’Arc só foi considerada santa em 1920, quase cinco séculos depois de sua morte.

Joana d’Arc é uma das figuras mais famosas da França. Até hoje símbolo do “espírito francês”, é tida como uma das  personagens históricas que representam o nacionalismo e a unificação do país. Não é para menos: uma menina de 16 anos, filha de camponeses, que mobilizou exércitos no meio da Guerra dos Cem Anos e garantiu à França vitórias que até então não tinham existido.

O contexto era complexo. A Normandia era um território disputado entre França e Inglaterra desde o século 6, quando os povos vikings, chamados normandos, invadiram aquela região. No meio dessa disputa, um rei francês, Carlos VI, morreu, e o rei inglês, Henrique VI, viu aí a oportunidade de se colocar como sucessor ao trono. E ele tinha o apoio dos nobres franceses nessa reivindicação.

O aspirante ao trono francês, príncipe Carlos, estava sem esperanças. Afinal, cinco anos após a morte de seu pai ele ainda não havia sido coroado. É que Reims, local tradicional da coroação dos reis franceses, estava sob domínio dos inimigos. Essa disputa de terra e poder entre França e Inglaterra se deu em conflitos sucessivos ao longo de um período de pouco mais de cem anos, mas o nome Guerra dos Cem anos é bem melhor.

Quando Joana d’Arc nasceu em Domrémy, região de Lorraine, era a Inglaterra que estava levando a melhor na disputa. Os habitantes dessa região estavam sendo pressionados pelos nobres da Borgonha a abandonarem suas terras. A menina Joana, muito religiosa, começou a ouvir vozes divinas, que a instruíam a ajudar o rei da França a chegar ao trono e unir o país. Aos 16 anos, ela partiu em busca dessa missão.

Eventualmente, a donzela Joana d’Arc, vestida de homem, afirmando ouvir a voz de Deus e com boas ideias sobre estratégias militares, conseguiu chegar ao rei-sem-trono. Não sem antes passar por uma série de interrogatórios e testes, inclusive um para verificar sua virgindade. O plano de Joana d’Arc era enfrentar os ingleses em Orleans, cidade que estava sob cerco a meses, e de lá seguir para Reims.

E assim fizeram, e pela primeira vez em décadas de conflito, seguindo os conselhos de uma mulher camponesa, os franceses conseguiram virar o jogo. No meio dessa guerra, Joana d’Arc não só era uma das conselheiras reais, mas também foi se tornando famosa entre os camponeses e soldados. D’Arc liderava um grupo de homens em batalhas, incluindo seus irmãos. Ela era uma figura que inflava a moral e que os estimulava a lutarem contra os ingleses. Seu estandarte de batalha era a imagem de Cristo, sua espada veio da igreja de Sainte Catherine de Fierbois, seguindo as instruções das vozes divinas.

museu joana d'arc rouen franca

Mesmo quando outros conselheiros do Rei sugeriram caminhos diferentes, ela conseguiu convencê-lo a ir até Reims e ser coroado. Assim, tornou-se Rei Carlos VII, em 1429. Ele deu à moça e à sua família títulos de nobreza. Mas, eventualmente, deixou de seguir seus conselhos, que o instruíam a reconquistar Paris.

Ruen, a cidade francesa que queimou Joana d’Arc

Joana d’Arc seguiu lutando em nome do Rei, mas quando foi capturada, numa batalha na cidade de Compiègne, em 1430, por um capitão dos duques de Borgonha, o rei Carlos VII não ofereceu ajuda. Basicamente ignorou a situação da guerreira, de olho num futuro tratado de paz com os duques. A jovem acabou sendo vendida ao poder inglês para ser julgada como herege por membros do clero, que estava do lado “inimigo”. Foi presa na torre do castelo de Bouvreuil, em Rouen, que está de pé até hoje.

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torre prisao joana d'arc

Foto: CC BY-SA 3.0, Wikimedia 

Enquanto isso, seu julgamento durou muitos meses. Inicialmente eram 74 acusações de heresia contra Joana d’Arc. Um dos maiores objetivos do julgamento era político: desacreditar Carlos VII e demonstrar que ele devia sua coroação a uma bruxa – ou pelo menos a uma herege. Mas, nos interrogatórios, ela não cedia em sua fé, na sua crença nas vozes divinas, que para ela seriam dos santos Miguel, Catarina de Alexandria e Margarete de Antioch, e nem na sua lealdade ao Rei francês. Tamanha era sua força de caráter que perceberam que seria inútil torturá-la para obter diferentes respostas. Ela mesma dizia que não arrancariam dela, por força, posição diferente.

fogueira joana d'arc quadro

Restaram 12 acusações. Foi julgada como herege e entregue a um tribunal secular, mas permitiram que tivesse direito a confissão e comunhão, algo sem precedentes para um prisioneiro assim. Uma grande fogueira foi armada na praça do mercado velho, em Rouen. Joana d’Arc pediu que seu confessor, um frade dominicano, erguesse uma cruz na multidão e gritasse sobre a salvação divina para que ela pudesse ver e ouvir isso além do barulho das chamas. Hoje, no local onde teria sido a fogueira, uma cruz e um memorial em meio a flores relembram a santa.

Pouco mais de 20 anos depois de sua execução, o papa Calixtus III, ouvindo apelos do rei Carlos VII e da família d’Arc e da própria nobreza francesa, reverteu o julgamento e limpou o nome da donzela guerreira. Santa Joana d’Arc foi canonizada pelo papa Benedito XV, que instituiu o 30 de maio como seu dia oficial. O parlamento francês decretou um festival anual em sua honra, que ocorre em todo segundo domingo de maio. O motivo dela ser considerada santa tem menos a ver com milagres, mas com sua atitude heroica perante o julgamento, a convicção na sua fé, na justiça e na origem divina das vozes que ouvia.

joana d'arc catedral de rouen

capela joana d'arc em rouen

Dentro da imponente Catedral Notre Dame de Rouen, há uma capela especial, com uma estátua dedicada à Santa Joana d’Arc. Uma igreja com seu nome foi inaugurada na cidade em 1979. A arquitetura mais moderna da construção guarda os vitrais de um antigo templo que ficava ali e do qual ainda restam as ruínas.

igreja joana d'arc em rouen

Além de ser a santa padroeira da França, Joana d’Arc é parte do marketing de Rouen, com sua face estampando materiais promocionais e um museu interativo dedicado à sua história, localizado no gabinete do Arcebispo que muitos anos antes fez sua condenação.

Também há um museu interativo com a história da santa guerreira e um tour em que o julgamento de Joana d’Arc é representado, mas com o público participando do juri. O espaço, chamado Historial Jeanne d’Arc, fica nos fundos da catedral de Rouen, onde eram os palácios do arcebispo onde sua sentença foi lida.

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Luiza Antunes

Luiza Antunes é jornalista e escritora de viagens. É autora de mais de 800 artigos e reportagens sobre Viagem e Turismo. Estudou sobre Turismo Sustentável num Mestrado em Inovação Social em Portugal Atualmente mora na Inglaterra, quando não está viajando. Já teve casa nos Estados Unidos, Índia, Portugal e Alemanha, e já visitou mais de 50 países pelo mundo afora. Siga minhas viagens em @afluiza no Instagram.

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9 comentários sobre o texto “O dia em que Joana d’Arc foi queimada

  1. além de aprender sobre a jovem guerreira, Rouen – Normandia é uma linda cidade medieval e, tive a impressão que a cerveja é das melhores.

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