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De volta ao Mochilistão

Um país sem fronteiras ou território definido, um lugar que pode aparecer na sua frente em qualquer parte do mundo. Já trombei com ele numa vila do Himalaia, nas ruas de uma grande metrópole asiática e até mesmo nas areias de um deserto. O nome dessa nação (que infelizmente ainda não foi reconhecida pela ONU) também pode variar, mas para a equipe do 360meridianos ela atende por Mochilistão, muito prazer.

Dos países terminados em “ão”, ele é o meu favorito, talvez rivalizando somente com o Butão (que, tenho certeza, tem uma boa parte do território coberto pelo Mochilistão). “Mas o que diabos é isso?” Eu explico, caro leitor. O Mochilistão é um conceito que criamos ao perceber que existem lugares mais ou menos iguais mundo afora. Ele é o território dos mochileiros, o gueto dos viajantes, e tem características sempre marcantes e idênticas, em qualquer continente que você estiver.

Mochilistão

O Mochilistão não tem fronteiras, mas certamente tem uma porta de entrada, muito embora ela nem sempre esteja clara. É como abrir a porta do armário para Nárnia ou seguir o coelho branco e cair no País das Maravilhas: na sua primeira visita ao Mochilistão é provável que você não perceba como chegou lá, mas uma vez dentro da toca do coelho é impossível não se afeiçoar ao lugar. É que o Mochilistão oferece os confortos de casa mesmo para quem está do outro lado do mundo.

No Brasil, minha primeira visita ao Mochilistão foi durante a viagem que fiz pelo litoral do Espírito Santo e da Bahia, em 2010. De repente, descobri onde todos os estrangeiros que visitam o nosso país estavam escondidos. Dunas de Itaúnas, Itacaré e Trancoso são bons exemplos de cidades do Mochilistão tupiniquim.

McLeod Ganj, India

McLeod Ganj, India

Me encontrei novamente com o Mochilistão em McLeod Ganj, na Índia. A vila do Himalaia é a sede do governo tibetano no exílio, mas bem que poderia ser a capital do Mochilistão. Tudo está lá: lojas de artesanato em cada esquina, uma quantidade absurda de hostels por metro quadrado, restaurantes de todos os tipos, decoração meio hippie, avisos em inglês (o idioma oficial do Mochilistão)… Tudo isso emoldurado pelo espetacular Himalaia, que afinal de contas foi a razão para que o Mochilistão criasse raízes por ali.

Não foi sem motivo que nosso amor por McLeod Ganj foi instantâneo. Como não gostar de um lugar onde a nutella é consumida incansavelmente? Ou onde as mais variadas cervejas são adicionadas a um jantar tipicamente tibetano? Ou onde caminhar pelas ruas é uma atividade agradável?

De fato, boa parte dos habitantes do Mochilistão parece não fazer nada da vida além de vagar pelas ruas, comprar diversos artesanatos, tirar muitas fotos e vez ou outra se dedicar a uma aula de ioga ou uma sessão de massagem. Ou seja: o mochilistanês é um cara que vive apenas a parte boa da vida. Cara de sorte.

Rua do Thamel

Ruas de Katmandu, Nepal: o Mochilistão é assim

Inclusive, o estudo do perfil do cidadão do Mochilistão renderia um capítulo inteiro. Portador de dupla cidadania (a do país de origem e a do próprio Mochilistão), ele pode falar os mais diversos idiomas, ter os mais diversos costumes e ser fiel das mais variadas religiões. E por mais que um mochilistanês seja diferente do outro, no fundo eles são todos muito parecidos. Usam as mesmas roupas folgadas, o mesmo tipo de sandálias, as mesmas camisetas com estampas  orientais (mas que de orientais não têm nada).

Kovalan, Índia

Roupas vendidas no Mochilistão

Outra marca inconfundível do Mochilistão é a presença de objetos tipicamente ocidentais, mesmo quando ele se encontra no mais oriental dos lugares. Trombamos várias vezes com lugares assim na Índia. Em Mamallapuram, cidade próxima a Chennai, bastou sair das ruas próximas ao terminal rodoviário para que detectássemos o Mochilistão. A aura hippie, os hostels, as mercearias que vendiam papel higiênico… aquilo não era mais Índia, mas território estrangeiro. Ou melhor: para estrangeiros.

Graças ao Mochilistão exploramos durante dois dias a Índia real, nas ruas de Mamallapuram, mas todos os dias voltávamos para um local confortável, amigável e cheio de velhos conhecidos.  Inclusive, por experiência eu te garanto: o cosmopolita Mochilistão costuma ser o lugar mais legal da Índia, seja no Colaba, bairro da megalópole Mumbai; ou em pequenas vilas como Rishikesh, McLeod, Manali e Mamallaupuram. O Mochilistão é tipo o Beco Diagonal dos Viajantes: um lugar de passagem onde você encontra tudo e a todos.

pancha-rathas-mamallapuram

Mamallapuram, India

Outro conceito extremamente importante envolve os moradores da República do Mochilistão (ou Backpackerstan Republic, no idioma oficial da nação). A população nativa do Mochilistão é mínima – provavelmente formada apenas pelos filhos dos que escolheram viver na estrada. A maior parte dos seus habitantes consegue a dupla cidadania durante a juventude, quando deixam a Gringolândia para se aventurar no Mochilistão.

“Oi? Você quis dizer Groelândia, certo?” Não, Gringolândia mesmo. É um lugar mitológico de onde todos os gringos vêm. O Mochilistão é o destino dos que saem da Gringolândia. Por sorte, várias vezes já foi o meu.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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12 comentários sobre o texto “De volta ao Mochilistão

  1. Recém chegada em busca de informações sobre a Índia, meu próximo destino. Apaixonada pelo alto astral do blog. Muito bem !!!

    1. Oi Camila,

      Obrigado pelo elogio e pelo comentário. Como blogueira você certamente sabe o quanto isso incentiva a gente a continuar o trabalho. =)

      Abraço!

  2. Tem razão. O Mochilistão está em qualquer lugar. A primeira vez que fui a Porto Seguro e região deu bem para perceber essa realidade.
    Abraços e sucesso,

    1. Oi Mario,

      Pois é, a região ao redor de Porto Seguro é muito Mochilistão mesmo.

      Obrigado pelo comentário. Abraço!

  3. hahahaha, otimo! Tinha chegado à conclusão de que as pessoas que conheci por aqui pertenciam a algum tipo de cultura paralela comum, que abrigava coreanos, japoneses e indianos num mesmo teto. Agora sei que somos todos mochilistaneses e com o ditado invertido: tão distante, mas tão perto.

    1. Acho que nenhum lugar do mundo tem tantas partes do Mochilistão quanto a Índia, TT. Inclusive, as pequenas vilas da Índia valem muito a visita. Não deixe de visitar o norte e a região do Himalaia. É incrível!

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