Um dia eu percebi que estava com uma enorme preguiça de viajar. A constatação abalou todo o meu sistema de crenças e me fez entrar em uma crise de personalidade das feias. Será que eu estava cansada de uma das grandes prioridades da minha vida? A atividade que me encantou e envolveu tanto que eu escolhi para ser minha profissão e que me rendeu algumas das melhores lembranças da vida estaria já com os dias contados?
Eu tentava me convencer que não, mas não tinha jeito: no momento em que eu abria os olhos e visualizava o panorama de museus, filas, atrações turísticas a serem visitadas no dia, minha vontade era só de dormir mais um pouco e talvez ver uma temporada inteira de uma série no Netflix.
Estaria eu sofrendo de algum distúrbio de dupla personalidade? Ou será que eu teria batido com a cabeça em algum lugar e as configurações do meu cérebro sofreram algum tipo de pane que me transformaram em uma pessoa com gostos completamente distintos dos que eu costumava ter? Muitas possibilidades passaram pela minha cabeça na tentativa de solucionar esse enigma nefasto, mas foi algumas viagens depois, em uma tarde de primavera, em Porto, que eu resolvi o mistério.
Livre das obrigações profissionais do blog – já que Portugal é a quebrada da Luíza -, passei meus dois dias ali sem fazer turismo como a gente tá acostumado a pensar que se deve fazer. Na companhia de uma grande amiga, gastei boa parte do tempo em Porto deitada em um banco de praça, conversando sobre o universo e tudo mais. Em uma dessas conversas, confessei a essa amiga que eu não gostava de visitar atrações turísticas. “Mas então, o que você gosta de fazer?”, ela perguntou. “Sei lá, comer, ver a vida boêmia, observar as pessoas…”. E foi isso que fizemos no resto da viagem. Foram dias incríveis.
Afinal, eu não estava com preguiça de viajar. Eu estava com preguiça de cumprir um check list. Meu enfado era com seguir a velha lista-de-atrações-que-todos-dizem-que-preciso-ver em vez de procurar por atividades que estivessem mais conectadas com meus interesses.
Eu já não aguentava mais pagar caro por entradas em atrações que muitas vezes não iam me impressionar tanto, cair em pegadinhas do mercado que insiste em acreditar que turista é tudo trouxa esbanjando dólares, passar horas na fila e ter que acotovelar dezenas de pessoas para conseguir uma selfie decente do lado de seja lá qual for o objeto de desejo dos compartilhamentos de Facebook daquele destino.
Da última vez que estive em Berlim, passei bem longe de Memoriais e Portões de Brandeburgo. Meu itinerário estava repleto de visitas a mercados de segunda mão, apresentações musicais, casas ocupadas, lojas de kebabs, interações com imigrantes e refugiados, grafite e cinemas alternativos. Passei 10 dias ali. Adoraria ter ficado mais.
É verdade que eu já havia visitado os Top 10 da cidade em outra viagem e por isso me senti mais liberada da segunda vez. Também é verdade que eu não estava ali a passeio, mas trabalhando no meu projeto de mestrado sobre cultura alternativa. Ainda assim, a experiência me ajudou a refletir que nada me impede que eu faça esse tipo de atividade em qualquer viagem e que minha visita não terá menos valor se eu não for ver as coisas que todo mundo acha que eu tenho que ver. Pelo contrário, me divirto muito mais, evito mau humor e crio lembranças muito mais legais dos lugares.
Esse tipo de viagem, no entanto, não cai no nosso colo. Para montar um roteiro assim é preciso ter muito claro o que a gente gosta de fazer, pesquisar bastante – porque as coisas que vou visitar não estarão na primeira página do Google, provavelmente – e fugir da tentação de incluir o óbvio apenas porque é a primeira coisa que passa pela nossa cabeça quando a gente pensa no destino X. Na verdade, a primeira coisa que a maioria das pessoas perguntam quando eu falo sobre isso é: “Mas se você não vai na Torre Eiffel / Sagrada Família / Empire States, o que você vai fazer em Paris / Barcelona / Nova York?”. Bom, no melhor estilo Bela Gil, você pode substituir essas atrações por:
Talvez uma das minhas atividades favoritas. Eu adoro escolher um lugar bacana na cidade – de preferência com um pôr do sol bonito -, comprar algumas coisinhas no supermercado e passar a tarde por ali, acompanhada de um vinho ou de um livro.
Talvez sua viagem coincida com alguma feira ou festival tradicional do destino. Talvez esse festival não seja tão famoso quanto o Festival de Lanternas da Tailândia ou o Carnaval, mas você tenha que pesquisar um pouco mais para saber da existência dele. Talvez seja uma festa pequena em algum bairro obscuro, ou um festival gastronômico, ou uma apresentação de dança.
O que importa é que eles acontecem nas ruas e é nas ruas que vive a essência dos lugares. A rua que é o espaço de convivência mais democrático que existe e é ali que a cultura se manifesta e se transforma. Eu sou muito fã das ruas. Aqui em Barcelona, por exemplo, o verão é repleto de pequenos festivais nos bairros. São quatro meses com programação em todos os fins de semana que ajudam a manter vivas as tradições catalãs.
Eu sou grande defensora de que conhecer a noite de um lugar também é uma forma de conhecer sua cultura. Por isso frequento bares e casas noturnas quando viajo. Para mim, ir a Alemanha e não sentar em un biergarten é inconcebível.
Dá pra aprender um pouquinho de arte, cozinha, fotografia, vinhos e cervejas e até outra língua durante as suas viagens de férias. Cursos de um dia – ou um mês – de duração são uma boa forma de saber mais sobre antigos interesses ou descobrir novos. Agências de viagem e algumas plataformas online, como o Sabiar, já se especializaram neste tipo de experiência, mas também dá para encontrar cursos de verão nas universidades europeias e oficinas oferecidas por centros culturais.
Eu sempre gosto de me unir aos free walking tours porque acredito que eles nos dão um bom panorama dos principais pontos turísticos e da história local. Acontece que há muitas cidades que oferecem outros tipos de passeios – no esquema grátis ou não – com temáticas e abordagens diversificadas. Dá para fazer uma rota de bicicleta, passeios que abordam períodos específicos da história – como um tour sobre a Alemanha Nazista ou sobre a história comunista de Praga -, roteiros gastronômicos, para conhecer melhor sobre determinado grupo social, caminhadas sobre arte de rua, bairros e vizinhanças étnicas… a lista imensa. A Luíza já indicou o free walking tours, que promove experiências turísticas alternativas em diversos lugares do mundo.
Eu sou grande fã dos mercados. Em qualquer cidade que visito, reservo um tempinho para almoçar em algum deles, porque em geral é possível experimentar comida típica gastando pouco. É verdade que alguns mercados já entraram para o time das atrações turísticas lotadas de gente, como o Mercado de la Boquería, em Barcelona, que dependendo do dia pode estar lotado a níveis insuportáveis. Mas além desses mercados para turistas, sempre há os mercados mais desconhecidos, onde o pessoal que vive ali vai para fazer suas compras de todo o dia. Eu também gosto muito de ir a mercados de pulgas e de peças de segunda mão – como o Mercado del Puerto, em Montevidéu – além de mercados com artesanato local.
Outra boa ideia é consultar a agenda cultural da cidade antes de viajar. Pode ser que você se depare com um show de uma banda que você adora, com alguma exposição bacana em algum museu ou com uma palestra legal sobre um tema que te interessa. É mais uma coisa que a gente às vezes nem pensa em procurar na hora de montar o roteiro, mas que enriquece a viagem pra caramba.
Você sabia que, na Índia, os filmes em cartaz possuem intervalo para você ir ao banheiro ou comprar mais pipoca? Você pode até achar que ir ao cinema é algo que a gente pode fazer em casa – e talvez tenha razão – mas também é uma experiência cultural notar as pequenas diferenças na forma como essas atividades corriqueiras são realizadas em outros países.
E tem mais: por que todo mundo corre para comprar ingresso para a Broadway, mas quase não se lembra de buscar outras apresentações teatrais em outros países? Em Buenos Aires, por exemplo, corri para ver o Fuerza Bruta e me arrependi de não ter feito isso mais vezes antes. A Luíza conseguiu ir num apresentação de ópera num teatro do século II na Bulgária, em italiano. Eu também adoro entrar em livrarias e bibliotecas, em especial quando elas são antigas e históricas. Já passei algumas horas dentro de algumas.
Antes que vocês venham me jogar pedras, este post não é sobre a velha polêmica entre viajantes e turistas e também não é para menosprezar quem gosta de visitar atrações. Há muitas atrações turísticas mainstream que me interessam pra caramba e quando for assim não pensarei duas vezes em ir. Este post é para propor uma alternativa para quem também se entedia com os check lists. É para dizer: “Você pode fazer dessa forma, mas existe essa possibilidade também”. E tornar nossas viagens mais criativas e originais.
E vocês, que tipo de atividade turística fora do comum gostam de fazer nas suas viagens?
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Adorei sua perspectiva Natália! Sair do convencional pode ser muito bom!
Obrigada, Sandra! :)
Prezada,
É mais ou menos por aí: chegamos no primeiro dia, batemos um rango, bebida legal em uma ruazinha qualquer não muito longe do hotel , no segundo dia fazemos um turistão e no terceiro já viramos cidadão.
hahaha assim que é bom, Antônio! :)
Poxa, como me identifiquei com suas palavras... sinto o mesmo quando viajo...
Costumo agregar nas minhas viagens, caminhadas na rua, às vezes, a esmo, sem programação... parar na rua e conversar com as pessoas, Descobrir belezas não catalogadas nos roteiros "comerciais" ...
Mercados, feiras, artistas de rua... pequenos comércios... brechós...
Descobri que não estou sozinha nisso... rsss
Grata!!!!!!!
Rita, ahaha eu que adorei que descobri um monte de gente igual a mim comentando no post. Antes me sentia uma turista errada ou relapsa por ter preguiça de ver as atrações TOP 10 dos lugares. Que bom saber que não estamos sozinhos!
Também tenho mega preguiça de lugares turísticos! Se eu te contar que fui em Lisboa e não conheci o castelo? Se eu te contar que estive em Barcelona e não fui ver a arquitetura de Gaudí? Mas eu conheci gente, andei pelas ruas, fui aos mercados, comprei peixe na feira, sentei na grama dos parques, fui na beira dos rios, fiquei perdida no interior da França (aliás, fiquei perdida já em vários lugares), conversei com um árabe sem ele falar inglês e sem eu falar árabe!... Tenho ojeriza a pacotes estilo CVC! Isso não é viajar, é correr e correr e não sentir o lugar... Uma vez acompanhei uma viagem de uma conhecida pelas redes sociais e a pessoa só postava fotos que ela tirava de dentro do ônibus turístico. Como sabe como é o vento no rosto, o cheiro? Ah não, tem que ter os 5 sentidos em tudo!
hahaha Ana, eu também não me vejo em uma viagem dessas. Eu até entendo algumas pessoas que fazem. Minha mãe, por exemplo, quando viaja sozinha, prefere esse tipo de viagem porque não tem tanta experiência no assunto quanto eu. Mas sem dúvidas eu me sentiria bastante engessada e com a sensação de que não experimentei nada.
Abraços e obrigada por comentar! :)
Excelente post, Natália!Queria tirar uma dúvida contigo. Estou indo em julho para Europa e ficarei 35 dias. Não sei se tem outro artigo seu falando sobre, por isso queria recomendações suas de restaurantes locais, bons e bem mais baratos do que os turísticos nas seguintes cidades:
1- Paris
2- Londres
3- Amsterdam
4- Ghent
5- Bruges
6- Ibiza
7- Barcelona
8- Veneza
9- Florença
10- Roma
Agradeço qualquer sugestão.
Mariano,
Não sou a melhor pessoa para recomendar restaurantes, pois em geral não me importo muito com isso (como no primeiro lugar barato que encontro). Também nunca estive em muitas dessas cidades. Em Barcelona, onde morei, tenho dicas:
https://www.360meridianos.com/dica/tapas-barcelona-bares-calle-blai
https://www.360meridianos.com/dica/restaurantes-etnicos-em-barcelona
Em Roma, também tenho algumas dicas:
https://www.360meridianos.com/dica/restaurantes-roma-onde-comer
Espero ter ajudado! Abraços!
Natália
Escolherei essa profissão quando voltar a reencarnar.
Tudo que gosto como viajante.
Kkk
Vanira
hahaha Vanira, sucesso na próxima vida, então. E nessa também né, seja lá o que você faça hoje....
Abraços
Nossa, como me identifiquei com esse post. Tô há alguns meses na Ásia e vinha me sentindo com um vazio, sem vontade de check points e querendo voltar pra casa. Até o momento que percebi que o meu propósito nesse tempo sabático era o meu 'eu interior' e não o turismo em si, propriamente dito... e aí, foi quando decidi sair da rota e fazer o que eu realmente quero, quando quero e no lugar que quero... independente se é gastar um dia num monastério desconhecido ou num mercado local olhando o movimento, se é numa praia fazendo nada ou lendo um livro enquanto tomo meu fruit shake, ou dando uma corridinha escutando musica pelas ruas de Bangkok e observando os locais... o importante pra mim em viagem é conhecer o lugar, mas de um jeito que eu me sinta bem e completa, independente se vai ser nos pontos turísticos ou não. E espero que cada vez mas as pessoas aproveitem os lugares de verdade e de coração, turistando ou não, ao invés de ficarem na função única de fazer check point, sem curtir a essência do local ^^
Jessica, confesso que às vezes eu ainda me sinto um pouco culpada do tipo "nossa, não conheci nada hoje...". É bem difícil se livrar dessas obrigações, mas hoje já sou bem mais tranquila que antes...
Abraços
Este post expressa exatamente o que eu penso!
Você escreve tão bem Naty! *-*
Obrigada, Mary! Fico feliz que tenha gostado!
Eu sempre fui ansiosa em viagens, querendo conhecer tudo! Com minha nova companhia, que não suporta acordar cedo e correr, enfrentar filas, sofrer por um museu, tenho andado mais calma na listinha.
Em Buenos Aires, passei um dia inteiro na Ateneo, sentada no chão, lendo, conversando sobre a vida. No outro dia, passei a tarde de sol num banco de praça, tirando foto, relaxando. Vi alguns pontos turísticos, óbvio, mas foi a primeira viagem que saí com a sensação de ter conseguido sentir a cidade (o que me deixou louca pra voltar e morar! Rs) Mas é difícil sair da lógica padrão...
Ei Natalia! Realmente, romper a lógica padrão é um processo, mas com o tempo a gente descobre o que a gente gosta e o que a gente não gosta. Eu também demorei um tempinho para sacar essas coisas.
Abraços!
Eu sempre acompanho as publicações do Blog e gosto bastante dos textos de vocês. Eu e meu marido estamos viajando pelo mundo desde dezembro do ano passado e também compartilhamos da mesma opinião a respeito dos pontos turísticos. Nós também temos um blog, é sobre viagem e gastronomia (umapitadademundo.com.br). Não vou dizer que não conhecemos algumas das principais atrações das cidades que visitamos, mas esse não é mais a nossa prioridade, atualmente está em segundo plano. Além do que você elencou no seu texto, que também curtimos muito fazer, nós gostamos de correr em parques, rios ou mesmo ruas das cidades ou caminhar pelas por elas sem muito rumo, fugindo das ruas principais e entrando em mercadinhos e comércios locais.
E digo mais, para nós é muito mais interessante conhecer uma cidade pacata, fora do roteiro turístico, pois é mais fácil de descobrir de verdade como é a vida do povo daquele país. As grandes capitais estão cada vez mais internacionais e consequentemente parecidas, estão perdendo a própria essência.
Mariana, eu tenho uma tia que viaja só para correr nos lugares, haha! Quer dizer, ela participa de corridas de verdade, maratonas e etc. Enfim, cada pessoa tem seus gostos e interesses e não tem sentido padronizar os roteiros de viagem. Que legal que vocês já descobriram o que vocês gostam!
Abraços