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Atlas: Manali, Índia

O dia em que eu paguei R$ 1,50 numa diária de hotel

É isso mesmo que você leu – R$ 1,50. E num quarto triplo. Ou seja, a diária custou 50 centavos para cada. Isso aconteceu em Manali, na Índia, uma cidade do Himalaia que é um importante destino turístico de inverno.

Já contamos uma parte dessa história na semana passada, no post com dicas para se hospedar no lugar mais barato possível, mas acho que vale contar tudo, afinal não é todo dia que uma nota de R$ 2 paga a diária de um hotel. E com os 50 centavos do troco você ainda garante o café da manhã.

Nós já estávamos na Índia há meses quando entramos num ônibus para Manali. Cerca de 12 horas de sacolejos e pouco sono depois, chegamos no destino. Para nossa alegria, vimos isso:

Manali, Índia

Manali, na Índia

Neve. Por todos os lados. Nos telhados das casas. Nas ruas. Cobrindo até as portas de algumas delas. E no meu caso aquilo ainda tinha uma sabor especial – foi a primeira vez que eu vi neve na vida.

O sol ainda não tinha nascido quando descemos do ônibus. Apesar da rodoviária de Manali ficar na rua principal da cidade (e a poucos metros de muitos hotéis), resolvemos procurar hospedagem numa região chamada Old Manali. Como nome indica, uma vila ainda mais antiga que Manali e que, diz a lenda, foi o local onde Manu desceu da Arca depois de um dilúvio de 40 dias e 40 noites que alagou toda a Terra. Notou as semelhanças entre Manu e o nosso Noé?

Veja também: O que fazer em Manali, na Índia

Vista de Manali, Índia

Mas não foi por conta do Manu/Noé que resolvemos ficar na parte velha da cidade. Recebemos a dica de amigos que já tinham estado lá. Segundo eles, a antiga Manali era ainda mais interessante, cheia de cafés, restaurantes legais, bons hotéis e uma vista incrível das montanhas. Com uma descrição dessas, foi fácil tomar a decisão. Achamos um motorista de tuk-tuk e pedimos para ele nos deixar lá.

Depois de alguns minutos de barganha pelo preço da corrida, ele mandou a gente entrar no tuk-tuk e subiu o morro. Não um morrinho qualquer, mas uma subida forte. E com as ruas cheias de neve. Na metade do caminho não foi possível continuar – tivemos que descer e continuar a pé, com as mochilas nas costas. No início foi legal caminhar por ruelas cheias de neve. Fazer bolas de gelo. Tirar fotos. Deitar no chão gelado. Foi ótimo.

Até que escorrei no gelo, cai de bunda na neve e afundei metade do meu corpo na nevasca. Congelados, resolvemos procurar por hotéis. Mas estava tudo fechado – durante o inverno a população de Old Manali migra para outras cidades, afinal as temperaturas quase não permitem uma vida tranquila e quentinha por lá. E nem todo mundo fica idiotamente feliz ao pensar numa nevasca, claro.

Manali, vila na Índia

Depois de muita procura achamos um hotel. Como todo o restante da vila, parecia fechado e não tinha outros hóspedes. Mas o dono resolveu abrir o lugar pra gente. E nem precisamos negociar o preço – aceitamos de cara o valor que nos foi oferecido. Assim que topamos, a surpresa: “Só tem um problema”, disse o dono do hotel. Não tem água. Tudo congelou nos canos. Ok, pensamos. Ficamos aqui hoje e amanhã nos mudamos para o centro de Manali.

Tirando o cheiro forte de cigarro, o quarto era bom. Mas não tinha banheiro – para isso era necessário cruzar o pátio do hotel (passando pela nevasca). Tudo bem, pensamos, afinal não tem água mesmo. Não faz diferença ter um banheiro dentro do quarto, né?

Claro que faz.

Passamos o dia andando pelas montanhas de Old Manali, mas logo percebemos que não tinha muito o que fazer por lá. Opa! Vamos levar 3 garrafas de vinho para o hotel. Isso é uma boa ideia, né?

Claro que não.

Imagine tomar uns bons drinks com uma vista incrível do seu quarto de R$ 1,50 por noite, mas ter que atravessar um metro de neve toda vez que você quiser ir ao banheiro. Foi isso que rolou. Várias vezes. Até quando eu acordei durante a madrugada, quentinho no meu cobertor que fedia a cigarro, mas simplesmente precisava ir ao banheiro.

neve em Manali

Mas o pior é quando o chamado da natureza não é para o número 1, mas para o número 2. Uma coisa sobre hotéis pensados para indianos: eles não têm papel higiênico. E mais: eles têm avisos em inglês em frente ao vaso sanitário, que normalmente é só um buraco no chão, pedindo para os hóspedes gringos não jogarem papel no vaso. “Por favor, use a água para se limpar”, dizia o aviso.

Enquanto você ainda está na situação mais igualitária da humanidade – afinal, na posição fecal todos se igualam, ricos e pobres – você percebe que terá que se limpar com água. Sim, água que está sob uma camada de 5 centímetros de gelo, no balde no chão do banheiro.  (Essa não é uma situação real. Juro).

Não posso dizer que foram os 50 centavos mais bem investidos da minha vida. Tanto é que no dia seguinte quase morremos de felicidade ao encontrar um hotel 4 vezes mais caro (sim, R$ 6, um valor bem mais razoável), mas que tinha cobertores limpos, aquecedor, banheiro dentro do quarto e água corrente.

A moral dessa história? Nem toda economia vale a pena. Ou, mais importante, verifique se seu hotel tem água antes de fazer a reserva. Ou se você terá que usar a água congelada do balde depois do número 2.

Manali, Índia

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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18 comentários sobre o texto “O dia em que eu paguei R$ 1,50 numa diária de hotel

  1. Oi 360!

    Estou lendo os posts de vocês sobre a India (estou indo pra lá em menos de 2 semanas), vocês não chegaram ao Taj Mahal? Ou eu que não estou achando a matéria?
    Vou chegar em Jaipur, pensei de lá ir pra Agra e depois pra New Delhi (pois não terei muito tempo).

    Obrigada e parabéns pelo blog, sou fã e acompanho vocês.

    Beijos!

  2. Nossa, não acredito!! Eu estava procurando por experiências e recomendações de lugares baratos, mas por essa eu não esperava heim! Fiquei curioso, na Índia não é tudo mais barato? Pela pobreza da região talvez os preços sejam mais baixos em geral. Esse post é antigo mas valeu pela dica! Vou pesquisar mais 😉

    1. Sim, a Índia é um país muito barato. Mas esse hotel aí do post foi algo surpreendente até para os padrões de lá.

      Abraços!

  3. Olá Rafael, eu pretendo ir viajar pra India no meio de 2018, estou fazendo um curso de formação de Yoga e meu sonho é ir conhecer o país de origem. Gostaria de saber com quanto tempo de antecedência eu compro a passagem de ida e volta pra pagar mais barato…

    Obrigada!

  4. Fantástico Rafael, confesso que tenho uma paixão por esse país( índia) pela Ásia em geral. Estou aprendendo muito com os posts de vocês, estou tirando muitas dúvidas que até então eu não sabia onde tirá las.
    Vocês estão de parabéns.

  5. Isso sim que chamo de uma aventura, kkkaaaa.
    Obgda por compartilhar, nao deve ter sido facil achar as palavras para descrever algumas situações embaraçosas.

  6. Oi Rafael é incrível comparar estes valores de hospedagem. Mas gostaria que pudesse falar também em: como se alimentou numa cidade desta praticamente deserta? Já que viajou para vários países e climas diferentes, dividiu a mala para metade de roupas de verão e a outra metade para roupas de neve?
    Quanto a comunicação: o inglês é imprescindível ou um dicionário e um básico já ajudam?
    Obrigada

    1. Oi, Carla.

      A gente teve que descer até o centro para comer. No dia seguinte, saímos desse hotel e mudamos para o centro de Manali mesmo.

      Sim, a mala foi divida em duas partes. Fica um pouco maior, mas é o jeito em situações assim.

      E o inglês é a única forma de comunicação na Ásia, exceto a mímica (e, claro, se você souber falar a língua local).

      Por sorte, você não precisa ser fluente em inglês. Eles mesmos não são. Não interessa se você manda bem na gramática, por exemplo. O lance é se você consegue usar o inglês para se comunicar, para pedir comida, para perguntar coisas simples, etc.

      Enfim, um curso básico de conversação já resolve.

      Abraço.

  7. Nossa! O meu record foi R$ 7,00 num albergue em Chiang Mai, norte da Tailândia. E na Europa, em 2012, paguei 7 euros no Generator Hostel em Berlim.
    R$ 1,50, para nós brasileiros que adoramos economizar, é quase um orgasmo kkkkkk

  8. Deve ter sido um sufoco, mas rendeu um bom caso para os leitores. hehehe
    Fiquei impressionada com o preço do hotel, mesmo o mais “caro” 😉

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