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Atlas: Mumbai, Índia

Perdido e sem dinheiro em Mumbai

Desde criança eu sei que o mundo está cheio de pessoas estúpidas, mas demorei vinte e seis anos para notar que eu era uma delas. Notei minha burrice enquanto andava sem rumo pelas ruas de Mumbai, uma das maiores e mais caóticas cidades da Índia. Eu estava perdido e sem nenhuma rúpia no bolso. E sim, eu estava sozinho.

Nós tínhamos acabado de chegar de Goa, onde passamos o réveillon, e seguimos para a casa de um indiano que era amigo da Allison, uma norte-americana que viajava com a gente. A Natália estava passando mal, por isso preferiu dormir.  Eu, Luiza e o restante do grupo decidimos sair para explorar a cidade.

Resolvemos cruzar Mumbai de trem, por isso saímos de casa e seguimos a pé até a estação mais próxima. Como parte do meu grupo conhecia muito bem a cidade, me limitei a andar, sem prestar nenhuma atenção no trajeto que fazia, exceto nas obras de um viaduto enorme. Esse foi o meu primeiro erro.

Chegamos na estação de trem. A Luiza foi para os vagões femininos com as outras estrangeiras, enquanto eu fui com o Gustavo, um paulista que sabia tudo de Mumbai, pegar o trem só para homens. Eu gastei minhas últimas 10 rúpias com isso – só conseguiria mais dinheiro passando num banco. Esse foi o meu segundo erro.

“Está tudo sob controle, eu pego o trem, desço na mesma estação que a Luíza e qualquer coisa ela me empresta dinheiro até eu achar um banco, sem estresse. E ainda tem o Gustavo para dar uma força, caso eu precise”, pensei.

Mas no meio do caminho tinha o inferno. O que parou na estação, cinco minutos depois, não foi um trem, mas o caos. Milhares de pessoas se seguravam do lado de fora do trem,  que nem mesmo estava completamente  parado quando os passageiros começaram a descer. Outros subiam correndo, enquanto uma galera simplesmente se pendurava em algum lugar do lado de fora. “Não entro nisso nem morto”, falei para o Gustavo. “Está vazio, vamos”, gritou ele, disposto a entrar no inferno. Parênteses.

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Trem lotado na Ásia

Foto de Bangladesh, mas juro que estava assim (Muntasirmamunimran, Wikimédia Commons)

O Gustavo, ou Gutcha, é o mochileiro mais econômico que eu já conheci. Em Goa, por exemplo, a equipe do 360meridianos se recusou a pagar por hotéis. Preferimos alugar quartos na casa de uma senhora, numa vila. Pagamos cerca de R$ 15 reais por dia no quarto, uma pechincha se você considerar que era réveillon no lugar mais concorrido da Índia.

Já  o Gutcha ficou vários dias em Goa pagando dez vezes menos que isso (faça as contas), dormindo no teto da casa de alguém. Gutcha, fica aqui minha homenagem ao seu espírito mochileiro e às suas habilidades de economizar centavos. Mais do que isso, até hoje não entendi de onde você tirou o espírito ninja para entrar naquele trem. Fecha parênteses.

Bom, o Gutcha entrou no trem, eu vacilei, o trem partiu e eu fiquei na estação. Sem dinheiro. Sem saber como voltar para casa. “Ok, tudo bem. Não entre em pânico. É só ligar pra alguém, perguntar o endereço, pegar um tuk-tuk e ela paga”, pensei. Peguei o celular: descarregado. Esse foi o erro número três.

“Beleza, vou pedir um telefone emprestado pra algum desconhecido e ligar”, argumentei comigo mesmo, tentando calar o pânico que crescia em mim.

“Ahh, vai? Mas como, se os únicos números que você sabe de memória são do Brasil?”, respondeu o pânico, mostrando quem mandava na bagaça.

Com todas as outras soluções descartadas, adotei a única que restou: andar aleatoriamente e contar com a sorte. Contar com a sorte numa das mais caóticas e maiores cidades do mundo, onde claramente a sorte é disputada no tapa.

Trem lotado na Índia

Não é cheio estilo metrô de São Paulo, ok? Foto: Archer10, Wikimédia Commons.

Saindo da estação, quase fui preso. Ok, a ameaça nunca existiu, mas um policial me parou e o pânico gritou no meu ouvido:

“Ihhh, fudeu, agora você ainda vai em cana!”

O policial queria saber por qual motivo eu estava voltando pela entrada, já que isso não era permitido. Expliquei que tinha desistido de embarcar, porque o trem estava lotado.

-“This is crowded India”, ele respondeu, rindo.

Deixei a estação e andei durante 40 minutos em direção ao lugar de onde eu achava que tinha vindo. Não era. Só que daquela vez eu tinha prestado atenção no caminho, então consegui voltar para a estação. Escolhi outro sentido e comecei a andar. Mais meia hora e não achei a casa, mas encontrei uma agência bancária.

“Pronto!! Eu saco dinheiro e contrato um motorista para passar o dia inteiro procurando essa casa junto comigo. Ou então peço pra ele me levar na embaixada brasileira. Estou salvo”, pensei.

O caixa não aceitou o cartão.

“Tudo bem, eu tenho cinco cartões, cada um de um tipo, afinal sou precavido (meu pânico riu dessa afirmação) e a máquina sempre solta algum dinheiro pra mim”.

Nenhum deles funcionou.

Meu pânico dava gargalhadas, junto com o Murphy, que provavelmente tinha tirado o dia para mim.

O que você faz quando está perdido numa cidade que não conhece, sozinho, sem dinheiro, sem telefone e onde a maioria das pessoas não fala sua língua? O que você faz quando essa cidade é na Índia?

Bom, não sei você, mas eu desisti de lutar e entrei em pânico. Imaginei as manchetes dos jornais: “Brasileiro perdido há três semanas em Mumbai”. “Embaixada não sabe onde o blogueiro foi parar”. “Brasileiro largou tudo para tentar carreira em Bollywood’, dizem indianos”.

“Chega um momento na vida que todo mundo tem que mendigar”, disse meu pânico interior.

“Ahhhhhh”, gritei.

Andei sem rumo durante duas horas, desafiando qualquer lógica. Para minha sorte, a Índia não tem lógica e na hora do desespero final eu notei um enorme viaduto em construção. Resolvi seguir todo o percurso da obra, que tinha alguns quilômetros.

Não sei exatamente quanto tempo demorou (juraria que foram semanas), mas achei a casa. Fiquei quase vinte minutos na porta, aliviado. Aproveitei para esnobar o Pânico e amaldiçoar Murphy, que não paravam de gritar palavrões. Não foi dessa vez que eu virei mendigo em Mumbai.

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Rafael Sette Câmara

Sou de Belo Horizonte e cursei Comunicação Social na UFMG. Jornalista, trabalhei em alguns dos principais veículos de comunicação do Brasil, como TV Globo e Editora Abril. Sou cofundador do site 360meridianos e aqui escrevo sobre viagem e turismo desde 2011. Pelo 360, organizei o projeto Origens BR, uma expedição por sítios arqueológicos brasileiros e que virou uma série de reportagens, vídeos no YouTube e também no Travel Box Brazil, canal de TV por assinatura. Dentro do projeto Grandes Viajantes, editei obras raras de literatura de viagem, incluindo livros de Machado de Assis, Mário de Andrade e Júlia Lopes de Almeida. Na literatura, você me encontra nas coletâneas "Micros, Uai" e "Micros-Beagá", da Editora Pangeia; "Crônicas da Quarentena", do Clube de Autores; e "Encontros", livro de crônicas do 360meridianos. Em 2023, publiquei meu primeiro romance, a obra "Dos que vão morrer, aos mortos", da Editora Urutau. Além do 360, também sou cofundador do Onde Comer e Beber, focado em gastronomia, e do Movimento BH a Pé, projeto cultural que organiza caminhadas literárias e lúdicas por Belo Horizonte.

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46 comentários sobre o texto “Perdido e sem dinheiro em Mumbai

      1. Oieeee, Rafael. De volta ao Brasil depois de um mês correndo mundo afora, ou melhor, 26 dias na índia e, olha só, tive a experiência mais doida apanhando trem suburbano em Mumbai (mas não nos perdemos). Não só para mim como para minhas filhas e os dois rapazes que nos acompanhavam. Só sentindo na pele o que é aquilo e olha estávamos no vagão pra mulheres. Na volta, entrar no vagão foi a maior disputa, quase no tapa, todo mundo correndo pra pegar lugar sentada. Ninguém nessa hora era uma dama.Tive também dois encontros insólitos no vagão de mulheres – Hijras, ou seja, são transexuais que, quando meninos, são castrados. Meio complicado explicar isso. Enfim, ambos foram simpáticos/as e nos abençoaram depois de algumas rupias. Os pontos altos para mim foi visitar dois joytirlingans. Depois explico. Aguardo sua visita e logo postarei os relatos. Cá estou com o maldito jet leg. hehehe

  1. Olá Rafael,
    Imagino como vc se sentiu! Já cheguei em cidades, sem lugar para ficar…e à noite! Mas o que costumo fazer é largar a mochila em algum lugar “amigo” e sair batendo perna (sempre contra o tempo, pois quanto mais tarde, pior), até achar algum lugar. No final das contas, tô aceitando qualquer “muquifo” para não ter que passar a noite ao léu! (rs)
    Mas o Murphy ainda não me conhece…graças ao meu bom santo!…
    Pois bem, estive lá agora em Dezembro/14 e conheci uma guia suuuuper bacana, que me ajugou a achar lugar para ficar…
    Mais uma vez, cheguei à noite…em Mumbai…e sem lugar para ficar (tive que sair às pressas de Jaisalmer, para pegar o trem…que era semanal. Ou seja, se eu perdesse, só na outra semana!)! Sendo que não tem albergue em Mumbai (como em vários lugares da Índia…e, na Índia, nem “muquifo” eu aceito! Deus me livre! rs).
    Aí, por um milagre desses que só acontece com os mochileiros, conheci uma mulher no trem, suuuuper gente boa, que conhecia a Mala Bangera (guia turística profissional, mala_bangera@hotmail.com / 098-21-135578 / 022-26499158).
    Ela, durante minha viagem de trem, conseguiu um lugar muito em conta (para os padrões de Mumbai: US$35, na YMCA…já fica a dica). Eu já estava aceitando pegar de $100, só para não ter mais stress…quem já esteve na Índia sabe do que estou falando…).
    Me deu as dicas de como chegar lá…o que não impediu que o tuk tuk picareta me arrancasse mais dinheiro (mas para quem chega em Badras, a estação de trem, à noite, qq valor tá ótimo…só queria sair de lá).
    Pois bem, se não fosse ela, eu não teria nem viaduto como referência!
    Abraços e boas viagens,
    Gus

    Ps: agora estou na Tailândia e adorando…fácil de viajar e barato! Sem falar o visual das praias!

    1. Opa, Gustavo!

      Obrigado pelo relato! Muito legal! E sim, A Tailândia e o sudeste asiático são mesmo incríveis e muito baratos.

      Sorte sua que Murphy não te conhece. haha

      Abraço.

  2. Hahahaha, morri de rir com esse texto! Desculpa, sei que na hora deve ter sido foda, mas agora aposto que você mesmo deve dar risada de tudo. Brincadeiras a parte, parabéns pelo seu site com tantos posts riquíssimos de informações e histórias interessantíssimas para nós mochileiros. Também passei alguns perrengues parecidos no mochilão que acabei de fazer pela Tailândia (até to iniciando um blog com relatos também). Meu próximo plano é tirar alguns meses sabáticos para conhecer melhor a ásia, e estive pensando em reservar cerca de 1 mês na índia mesmo. Seus posts estão muito bons e me ajudando muito a planejar o roteiro. Valeu!!!

    1. Oi, Pauline. Que bom que você gostou do relato! Na hora foi foda, mas depois foi engraçado mesmo. hahaha

      Vai na Índia sim, que é incrível.

      Abraço.

  3. Bom dia,

    Encontrei o vosso blog quando comecei a planear uma viagem à India e queria dar-vos os parabéns porque é maravilhoso.

    Precisava de uma ajuda, gostaria de fazer uma viagem à India por 15 dias com o meu marido mas não somos pessoas de excursões e por isso gostamos de andar com uma mochila às costas e ir de comboio entre os vários locais que queremos conhecer, neste após as várias noticias de ataques sexuais a várias turistas, deixaram-nos com o pé um pouco de receio.

    É seguro para um casal sosinho viajar? (claro que com os devidos cuidados)
    Obrigada pela ajuda.

    Beijinhos para todos

    Téu

  4. Olá!

    Ri muito com sua história, e fiquei muitoo feliz por ter dado tudo certo :-).

    Estou planejando uma viagem, e o site está sendo muito útil, além de divertido rss… será que poderia me ajudar com uma informação,ou duas rs, eu pretendo ir ao Butão, Nepal, Indía e Tailandia. Qual a melhor (ou mais barata) ordem para eu fazer este macro-roteiro? E do sul da India para o norte (No caso para eu ir de Nova Delhi para Kerala), como ir? E última (me desculpe…estou um pouco agitada e perdida rs) … de Kerala para Tailandia é melhor do que de Kathmandu para Tailandia, por exemplo?
    Muitoo obrigada!
    Desculpe tantas perguntas!
    Grande abraço,
    Ju

    1. Ju,

      Me desculpe a “intromicência”… hehehehe… é que eu também tenho dúvidas pq estou planejando ir sozinha a Bangalore em fevereiro, e tá todo mundo dizendo que sou louca, que não deveria fazer isso, que é perigoso, etc, e tals…

      Vc vai sozinha?

      1. Oii Viviane! Tudo bem?
        Imagine kkkk fico feliz com sua “intromitencia” 🙂
        Vou sozinha sim… como não falo inglês :-S talvez vá com uma agencia para fazer trabalho voluntario ou na India ou no Nepal, mas isso so durante um mês, se for o caso ainda estou analisando tudo…porque meu orçamento é limitado e quero ficar até o final do ano.
        E qual é seu plano?
        Bjo

        Ju

        1. Oi Ju,

          Eu estou querendo ir a passeio mesmo, quero conhecer Bangalore, Chennai e talvez Kerala, vai depender de quanto vou conseguir juntar. hehe Estou muuuuito ansiosa, devo ir em fevereiro.
          Parabéns pela iniciativa em fazer um trabalho voluntário, eu gostaria muito de fazer também, talvez da próxima.
          Bem que o pessoal aqui poderia nos dar umas dicas de como/onde comprar passagens aéreas em melhores condições, né?!:)

          Bjos.

          1. É muito legal ver nossos leitores interagindo aqui nos comentários. =)

            Sobre as passagens, nunca deixem de consultar o blog Melhores Destinos (https://www.melhoresdestinos.com.br), independente do destino que vocês pretendem conhecer. Já achei dicas ótimas por lá e promoções fantásticas.

            Para buscar os melhores preços de passagens internacionais uma boa é usar o https://www.kayak.com.br/

        2. Olá meninas…
          estou indo mês que vem sozinha pra India.
          Como foi as experiência de vcs???
          Planejo há um ano.. já li muita coisa e acho que estou preparada… mas gostaria de saber sobre a experiencia de alguma mulher que foi zozinha tambem rsrs
          bjos

    2. Oi Juliana,

      Me desculpe pela demora em te responder. Bom, eu começaria essa viagem pela Índia. Do norte do país é possível seguir para o Nepal e para o Butão e as passagens não costumam ser caras. Eu paguei cerca de R$ 100 pelo voo para Katmandu, por exemplo.

      Vá de Nova Délhi para o Kerala de avião. Só compensa ir de trem se você quiser fazer muitas paradas no meio do caminho ( e tiver tempo para isso). A viagem por terra pode demorar dias.

      Numa pesquisa rápida, não achei voos diretos do Kerala para a Tailândia. Dá pra fazer, mas provavelmente seu voo vai ter escala.

      Chennai costuma ser um bom lugar para sair da Índia e seguir para o sudeste asiático, mas não tem muito o que fazer por lá.

      Também é possível começar sua viagem pela Tailândia e de lá seguir para a Índia, fazendo em seguida o percurso que te falei. Acho que aí a questão é consultar e ver qual passagem é mais barata – se Brasil/Índia ou Brasil/Tailândia.

      Qualquer dúvida é só falar. Não costumo demorar tanto para responder assim. =)

      Abraço!

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